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O TRAMPOLIM -  Hoje vou dedicar-me a citações. Começo por um excerto de “Portugal Contemporâneo”, de Joaquim Pedro de Oliveira Martins, um texto de 1881, no qual cita um escrito do jornalista José de Sousa Bandeira na publicação periódica da mesma época, “O Artilheiro” : “O Cláudio chamou ladrão ao Seabra. Olha que lhe fez grande injúria! Não é semelhante nome tão estimado? Não andam os ladrões nas palmas das mãos? Não são muito votados para empregos e eleições? Não há tanta gente de gravata lavada que os protege?” . E comenta Oliveira Martins: ”A alusão é clara ao banditismo que imperava à solta, municiado e protegido pelos partidos. Cada chefe tinha o seu cliente no fôro, comprado a dinheiro”. E reforçava:  “Para um homem ser ministro de Estado basta que um batalhão, de mãos dadas com um periódico, o queiram”. Um pouco antes, em 1879, Antero do Quental proferia nas célebres “Conferências do Casino”, um texto estrutural da cultura portuguesa, ”Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”, e aí sublinhava:  “A uma geração de filósofos, de sábios e de artistas criadores, sucede a tribo vulgar dos eruditos sem crítica, dos académicos, dos imitadores. Saímos de uma sociedade de homens vivos, movendo-se ao ar livre: entramos num recinto acanhado e quase sepulcral, com uma atmosfera turva pelo pó dos livros velhos, e habitado por espectros de doutores.” E rematava: “Ser rufião é um ofício geralmente admitido, e que se pratica com aproveitamento na própria corte. ” Não será certamente por acaso que muitas das cenas a que temos assistido na política portuguesa se enquadrem tão bem nestes relatos com quase século e meio. Ao longo dos tempos, nestes 50 anos depois de 1974, deixámos de ter estadistas, governantes com visão, inovadores, e criámos uma geração politiqueira que só deseja ser serventuária de organizações internacionais. Portugal, para esses, é apenas um trampolim. Basta olhar para onde têm ido.

 

SEMANADA - Cerca de 40 por cento das escolas de Portugal continental têm menos de 15 alunos e 26% menos de dez; no ensino profissional em cerca 79% das ofertas de cursos  as turmas ficam aquém do número mínimo de alunos exigido por lei; 66 crianças e jovens são vítimas de violência todas as semanas; os crimes e a violência voltaram a aumentar nas escolas portuguesas, sobretudo na área da Grande Lisboa onde as ocorrências registadas pela PSP aumentaram 7,4% com destaque para as ofensas corporais e as injúrias e ameaças; pelo menos 4235 pessoas foram vítimas de abuso de cartão bancário em 2024, de acordo com dados da PSP e da Polícia Judiciária; nos últimos cinco anos, a GNR registou 5884 crimes de clonagem de cartões;  em 2023 cerca de 70.000 portugueses emigraram para trabalhar em outros países e os principais destinos são a Suíça, a Espanha, a França, a Alemanha, Países Baixos e Reino Unido que em conjunto somam mais de 50 mil; Portugal é o país da OCDE onde é mais difícil comprar casa; os preços das casas em Portugal aumentaram 135% em dez anos enquanto os rendimentos subiram 33%; nos primeiros 46 dias do ano morreram 48 pessoas nas estradas portuguesas  e de acordo com dados da PSP e da GNR, 24 das vítimas mortais eram condutores ou ocupantes de veículos de duas rodas – motociclos, bicicletas e trotinetas.

 

O ARCO DA VELHA - Há 40 consultórios de saúde oral, novos e instalados em centros de saúde com verbas do PRR, que  estão fechados, alguns  há cerca de um ano, por dificuldades na contratação de médicos dentistas. Um estudo recente indica que cerca de 300 mil portugueses admitem não ter dinheiro para ir ao dentista.

 

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NO MAAT CENTRAL  -   Duas novas exposições no espaço Central do MAAT. O destaque vai para “Transe”, de Rui Moreira. A exposição, com curadoria de João Pinharanda,  reúne cerca de 80 desenhos e pinturas sobre papel, de médio e muito grande formato, e uma escultura de grande dimensão que será apresentada na Praça do Carvão. Com uma carreira com mais de 20 anos, Rui Moreira é um dos mais significativos artistas portugueses entre os que foram  revelados na primeira década deste século e, também, um dos que tem curriculum internacional mais consolidado. Pouco conhecido em Portugal, esta exposição é a oportunidade de conhecer a obra de Rui Moreira. Com cores intensas as pinturas sobre papel variam entre o abstrato e o figurativo (na imagem). Esta exposição permanecerá no MAAT  Central até 2 de Junho e é fruto de um protocolo celebrado entre o MAAT e o Centro Cultural Graça Morais, e  parte da exposição será apresentada em Bragança, a partir de 5 de julho de 2025. No âmbito da exposição, será publicado um catálogo com textos de João Pinharanda, Filipa Correia de Sousa e Rui Chafes (que farão uma conversa com o artista no dia 22 de maio). Ainda no MAAT, espaço Cinzeiro, no rés do chão do edifício Central, é apresentada a exposição “Gestos” de Ana Léon, uma artista que se revelou em Portugal no contexto dos anos 80 do séc. XX. Léon estabeleceu-se nessa mesma década em Paris, onde ainda hoje vive. A artista trabalha em paralelo o desenho e o filme, usando tecnologia analógica (película e uma máquina de filmar Super 8), para realizar filmes de animação em stop motion. Nesta exposição, apresentada em seis salas sucessivas, León trabalha com um número significativo de figuras masculinas, na circunstância bonecos Action Man, que a artista encena e movimenta, em gestos repetitivos.

 

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ROTEIRO - Até 23 de Março ainda pode ver em Serralves a extraordinária exposição “Ricochetes”, do belga Francis Alÿs. Ao longo das últimas duas décadas Alÿs  viajou para mais de dezena e meia de países para filmar jogos infantis. Daí resultou uma série de filmes e pinturas a que deu o nome de “Ricochetes”, o nome de um dos jogos mostrados, originário de Marrocos. Tudo está montado numa instalação com múltiplos ecrãs que mostram jogos de crianças no Afeganistão, na Dinamarca, Cuba, México, Bélgica, Iraque ou Reino Unido, entre outros. A exposição “Ricochetes” foi organizada pelo Barbican, Londres, com a Fundação de Serralves Museu de Arte Contemporânea, Porto, e tem curadoria de Florence Ostende. No dia em que a visitei, um sábado de manhã, era delicioso assistir ao olhar encantado de crianças que ali foram levadas pelos pais, descobrindo jogos do outro lado do mundo. Entretanto, em Lisboa, no pavilhão 26 do Hospital Júlio de Matos 15 fotógrafos olham para o Serviço Nacional de Saúde na exposição “Cura”, até 5 de Abril. Podem ver trabalhos de António Júlio Duarte, Augusto Brázio, Duarte Amaral Netto, Luisa Ferreira, José Maçãs de Carvalho e Valter Vinagre, entre outros. Na Appleton , Rua Acácio Paiva 27, em Alvalade, podem ver até 20 de Março, exposições de trabalhos de António Poppe, Ana Manso e André Romão. Na Galeria Pedro Cera, Rua do Patrocínio 67-E, Isabel Cordovil apresenta até 29 de Março uma série de novas obras de escultura a que deu o título “The Enigma of Arrival”.  E na Galeria Francisco Fino (Rua Capitão Leitão 76) Diogo Pinto apresenta até 8 de Março a sua exposição “Diplomacia”.

 

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A ORIENTE - Neste tempo confuso leio que Warren Buffett, o “Oráculo de Omaha”, que dirige a Berkshire Hathaway e que tem reforçado o investimento em empresas japonesas, elogia a gestão das empresas daquele país. Na actual conjuntura internacional, polarizada em torno dos Estados Unidos, Rússia e China, o Japão parece um paraíso de estabilidade, inovação e competência.  Mas afinal o que é este país cujo povo conseguiu manter a unidade desde a sua pré-história até à renovação Meiji, nos finais do século XIX ? Na realidade, a História do Japão é simples e calma. No livro “História do Japão”, o seu autor, Michel Vié, afirma que isso se deve à consciência histórica do seu povo, cujo eixo reside na unidade e na continuidade. O livro percorre a História do Japão, um país onde não encontramos invasões, migrações maciças ou fronteiras indefinidas e apesar das numerosas insurreições, não ocorreu no território nenhum acto revolucionário radical: o livro traça um retrato dos principais períodos da história do país, desde a pré-história, à criação da Cidade Imperial (nos séculos VII-XII), os primórdios da nação (nos séculos XII-XVI), a criação do estado moderno (nos séculos XVI-XIX), o período Meiji e  início da abertura e da modernização. “História do Japão” está na nova colecção “A Minha Estante” da editora Guerra & Paz e é uma boa leitura para todos os que sentem atracção e curiosidade pela cultura japonesa.

 

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VOZ E HARPA  - Esta semana recomendo “In The Blue Light”, um disco gravado ao vivo de Kelela, cantora, compositora, multi instrumentista, que se situa algures entre o R&B e a música de dança de base electrónica. Gravado no célebre clube Blue Note, em Nova Iorque, o disco tem 12 canções que, ao longo de uma hora, traçam o percurso de toda a carreira de Kelela desde 2013 até “Raven”, o seu mais recente álbum de originais. A produção é minimalista, o disco é essencialmente acústico, a voz de Kelela, intensa e por vezes quase malabarista, cruza-se  com o som invulgar de uma harpa , num pano de fundo proporcionado por efeitos sonoros em teclados. Disponível nas plataformas de streaming.

 

ALMANAQUE - O Centro de Arte Rainha Sofia, de Madrid, que é o museu espanhol de arte do século XX e contemporânea, expandiu a sua colecção com 470 novas obras e  mais de metade são de mulheres e uma proporção significativa são de artistas de diversas origens étnicas pouco representadas na colecção. Cerca de 100 obras foram compradas pelo museu ao longo do último ano, quase 140 foram compradas pelo Ministério da Cultura de Espanha, 160 foram doadas por artistas, galerias e colecionadores e a Fundação do Museu Rainha Sofia assegurou as restantes, a maior parte das quais fruto de doações. O valor total das novas obras ultrapassa os oito milhões de euros. As novas obras  integrarão a futura exposição permanente da colecção do museu , que está a ser preparada e que abrirá em Março de 2026, com enfoque na criação artística desde a década de 70 do século passado até agora. A colecção do Rainha Sofia conta com cerca de 25 000 obras.

 

DIXIT  - “Luís Montenegro viveu em Marte nos últimos anos e não acompanhou as águas lodosas em que a política portuguesa mergulhou. Só isso explica a displicência com que ele trata de certas questões”  - João Pereira Coutinho 

 

BACK TO BASICS -  “Hoje em dia uma mentira consegue dar a volta ao mundo antes que a verdade consiga calçar as botas” - John Kerry.

 

A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE  NEGÓCIOS



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