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O IRRITANTE EM PORTUGAL - Fala-se muito de um irritante que pelos vistos anda por aí, Mas o maior irritante de todos é a forma como Estado funciona. Temos um Estado que é uma vergonha - e que irrita os cidadãos sem nunca pedir desculpa. Está à vista o que se passou em Pedrógão, começa a estar à vista o que se anda a passar em Lisboa graças às denúncias do ex-vereador Nunes da Silva sobre a actuação de Manuel Salgado na Câmara Municipal e até o sonso Rui Rio fez estranhos malabarismos urbanísticos na zona da Arrábida quando dirigiu a autarquia do Porto. Mas há mais: esta semana um advogado amigo dizia-me que todos os timings da justiça tributária estavam a ser um pesadelo que se arrasta, muitas vezes, por uma década. E acrescentava que nas situações onde o cidadão já pagou, e em que a probabilidade de o Estado ter que devolver dinheiro é grande, então o atraso ainda é maior e ninguém responde a nada. Tudo isto é mais grave que a polémica sobre a roupa de António Costa e a sua falta de bom senso na chegada a Luanda. Esse é um incidente menor para gerar distração e galhofa. O pior é o resto, como o facto de Maria Manuel Mota, vencedora do Prémio Pessoa em 2013, ter ficado de fora dos 500 investigadores selecionados pela FCT para ter contrato de trabalho porque o júri achou o seu currículo pouco relevante e não considerou que o desenvolvimento da sua investigação sobre a malária, que faz há 20 anos e tem tido reconhecimento internacional, tem impacto sobre a saúde humana. Isto é que é o irritante em Portugal: o Estado, os seus burocratas, os seus parasitas.
SEMANADA - O ano lectivo arrancou com milhares de alunos à espera de professores ainda não colocados; a falta de funcionários de apoio ainda é maior e está estimada em cerca de três mil em todo o país; um quarto das escolas públicas não faz reutilização de manuais; 20% dos médicos com idade para dispensa continuam a efectuar urgências; 34% das casas do centro de Lisboa já são ocupadas por turistas e em algumas freguesias estima-se que possa vir a superar o número de residentes; duas ex-candidatas pelo PSD à autarquia Lisboeta criticam a falta de oposição do partido ao executivo camarário e dizem que Teresa Leal Coelho se comporta em muitas ocasiões como o nono vereador de Fernando Medina; este ano o número de matriculados, do pré-escolar foi o mais baixo dos últimos 12 anos ; o Governo anunciou que a integração dos trabalhadores precários não se fará em 2018 mas sim em 2019; em Julho houve uma quebra de 2,1% de turistas em relação ao mesmo período do ano passado; em Julho os bancos emprestaram uma média de 20 milhões de euros por dia para crédito ao consumo; a atribuição de novas pensões de reforma já tem atrasos de nove meses.
SE TODOS FOSSEM ASSIM... - Marco Pierre White, um respeitado chef britânico, que em tempos já devolveu estrelas Michelin que tinha recebido, recusou a visita do Guia Michelin ao seu novo restaurante em Singapura, dizendo: "Eles vendem pneus e eu vendo comida."
UMA AVENTURA EM TEMPO DE GUERRA - Klaus Kittel nasceu e morreu no Porto. Filho de alemães, tinha orgulho em dizer que era português, embora continuasse alemão no passaporte. E alemão na consciência, de tal forma que em finais de 1944,, contra todos os melhores conselhos, decidiu responder à chamada para a Luftwaffe e para a frente de Berlim, quando tudo já estava perdido. Foi fechado num campo de prisioneiros de guerra americano, entregue depois aos franceses e, à semelhança de muitos outros milhares de soldados vencidos, foi condenado sem julgamento a trabalhos forçados - no caso de Kittel, nos campos agrícolas do Marne. Conseguiu fugir dois anos mais tarde e regressou a Portugal onde viveu meses ainda clandestino. Podia ser só mais um romance, mas Klaus Kittel foi um homem de carne e osso. E guardou as memórias de uma vida dactilografadas num molho de folhas fechadas numa gaveta de uma casa no Porto. Por um feliz acaso essas memórias voltaram a ver a luz do dia quase vinte anos depois da sua morte. São essas memórias o fio condutor do segundo romance de João Nuno Azambuja, que em 2016 venceu o prémio literário UCCLA. Os Provocadores de Naufrágios leva-nos pelo Porto dos alemães na primeira metade do século XX, pela devastação da guerra na alma dos homens, pela insensatez dos que mandam e dos nacionalismos, pela banalidade da barbárie de vencedores e vencidos. E estes naufrágios são os dos homens, das nações e da paz.
QUAL O PESO DO SONHO? - Teresa Gonçalves Lobo nasceu no Funchal, estudou no Ar.Co e o desenho é o seu território natural, dominado por linhas gestuais e formas caligráficas. Tem também feito escultura e projectado os seus desenhos em peças de mobiliário. Está presente em diversas colecções e tem exposto regularmente em Portugal, mas também em Inglaterra, França, Rússia, Áustria e Espanha. Por cá é representada pela Galeria das Salgadeiras (Rua da Atalaia 12, no Bairro Alto). “Da Leveza do Sonho” é a sua nova exposição, patente nas Salgadeiras até 17 de Novembro. No catálogo, José Manuel dos Santosrecorda, a propósito dos desenhos de Teresa Gonçalves Lobo o que Edgar Degas, “grande desenhador de movimentos e de marcações, de instabilidades e de instantes, de mimeses e de mímicas, de geometrias e de gestos, disse a Paul Valéry: O desenho não é a forma, é a maneira de ver a forma”. E concretamente sobre o trabalho de Teresa Gonçalves Lobo, José Manuel Santos afirma: “Esta obra é subtil e não simples. É fluente e não fácil. É leve e não ligeira. É densa e não dúctil. É sofisticada e não solene. É serena e não suave. É sustentada e não sobrecarregada. A sua autora desconfia instintivamente de tudo o que vem sobrepor vestes à nudez, atirar ruídos ao silêncio, trazer detritos à vida”. Os preços das obras expostas vão de 2200 euros dos desenhos mais pequenos até 7500 euros nos de maiores dimensões (como o que aqui é reproduzido).
ISTO SIM, É FADO - “Sempre”, de Katia Guerreiro, é sério candidato a melhor disco de fado do ano. Com uma produção exemplar de José Mário Branco (cuja voz aparece fugaz num dos temas), o disco vale pela música, pelos músicos que acompanham a fadista, pelas capacidades que a sua voz evidencia nos 16 temas gravados, sobretudo pela versatilidade da sua interpretação, pelo sentir como canta os poemas escolhidos - e estes poemas são em muito boa parte a razão de ser da qualidade deste disco. Do ponto de vista musical aqui se correm fados tradicionais ( o Fado Belo, o Fado Menor, o Fado Mouraria, o Fado Freira, o Fado Carriche, o Fado Rigoroso, o Fado Bailado, o Fado Blanc e o Fado Pierrot), ao lado de temas originais entre os quais me permito destacar o extraordinário “Fora de Cena” com música de José Mário Branco e letra de Manuela De Freitas. Aliás convém dizer que Manuela de Freitas assina algumas das mais marcantes letras deste disco e saliento essa magnífica história do quotidiano que é “Dia Não”. Já agora, “Quem Diria”, o fado a caminhar para marchinha onde aparece a voz de José Mário Branco, é uma pequena maravilha, da autoria de José Rebola. Destaque também para o trabalho dos músicos que acompanham Katia Guerreiro - Pedro de Castro e Luis Guerreiro na guitarra portuguesa, João Mário Veiga e André Ramos na viola de fado , Francisco Gaspar na viola-baixo. A gravação e a mistura são de António Pinheiro da Silva, um dos melhores engenheiros de som portugueses.
UMA COMPOTA - Esta é a época do doce de tomate fresco, acabado de preparar. Gosto dele artesanal, comido pouco tempo depois de ser feito, sem corantes nem conservantes. Tenho a sorte de ter ao pé de mim uma casa agrícola onde se podem comprar delícias regionais e, na semana passada, lá fui eu ver se já havia doce de tomate - e havia mesmo. Por cima de um pedaço de bom pão fresco ou de uma torrada, poucas coisas são melhor companhia para o começo do dia. O local em causa chama-se Loja Afinidades, na Quinta do Anjo, entre Palmela e Azeitão, e pertence à Casa Agrícola Horácio dos Reis Simões, também conhecida por produzir um premiado moscatel roxo. O doce de tomate da casa é denso, tem ainda pedaços de polpa, não vem triturado, não é enjoativo, tem a consistência certa. É um produto caseiro, sem adição de aromas, corantes ou conservantes artificiais, sem demasiado açúcar. Já tentei saber a receita mas não consegui - a conversa deste ano andou à volta de a produção ter sido mais pequena do que é costume porque houve pouco tomate. Mesmo assim, antes do doce aparecer , alma gentil ofereceu-me uns exemplares da raça coração de boi, bem maduros, ali comprados nas Afinidades, que fizeram umas belas saladas. Para fazer doce de tomate quer-se o dito bem maduro. É nessa parte, da compota, que agora estou.
DIXIT - “Estamos num tempo de heróis politicamente correctos. Agora as personagens são todas feministas, ecologistas, defensoras dos animais e respeitadoras das minorias étnicas. E os leitores começam a ficar cansados disso” - Arturo Pérez-Reverte, escritor.
BOLSA DE VALORES - Já pensou em ter um azulejo de artista? Sim, um azulejo, essa peça tão portuguesa, mas feita a partir de uma obra feita por um artista plástico para ser reproduzida nesse suporte. A Galeria Ratton (Rua da Academia das Ciências 2C) apresenta obras de Júlio Pomar e Sofia Areal, em painéis e em azulejos individuais. No caso de Pomar os preços começam nos 60 euros dos azulejos múltiplos avulso, passam para os 215 euros em edições limitadas e o magnífico painel do “Palhaço” vale 4500 euros. No caso de Sofia Areal as obras expostas são todas deste ano, com painéis que vão dos dez mil aos 25 mil euros e os azulejos originais policromáticos valem 130 euros.
BACK TO BASICS - “É óbvio que existem políticos desonestos a nível local, mas é certo que também existem políticos desonestos a nível nacional “ - Richard Nixon.
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