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OS EFEITOS DO WOKISMO - Nos últimos tempos, em vários países europeus, a esquerda tem sido eleitoralmente derrotada ou tem sofrido forte erosão. Recentemente uma filósofa meio alemã, meio canadiana, Susan Neiman, que se posiciona à esquerda, publicou um livro que está a causar alguma polémica: “Left Is Not Woke”. O livro nasce de uma conferência que Neiman realizou em Cambridge em 2022 e na qual defendeu que a esquerda abandonou as ideias que são necessárias para resistir à ofensiva da direita e o seu declínio reside nesse abandono. Para Neiman a ideia de que, se alguém é pro-woke deve ser de esquerda e, se se é de esquerda, então deve ser pró woke, é um erro fatal. Para a autora, o wokismo está focado nas desigualdades do poder em vez de procurar garantir a justiça. Diz ainda que o wokismo, ao mesmo tempo que acusa a História de estar semeada de crimes contra a humanidade, percorre o caminho errado quando apresenta toda a História como um repositório de crimes. Para Neiman, as raízes intelectuais do wokismo contradizem as ideias que guiaram a esquerda há mais de 200 anos: a defesa do universalismo, uma clara distinção entre justiça e poder e a crença na possibilidade do progresso. Numa recente entrevista Neiman mostrou-se convicta que a adopção do modelo woke está na raíz das quebras eleitorais da esquerda, que aparece mais focada muitas vezes em causas marginais do que no bem estar das pessoas. A sua posição é polémica e como a própria afirma, o pensamento woke procura justificar-se nas ideias, malignas, de dois pensadores do século XX - Michel Foucault e Carl Schmitt que, segundo ela minaram as ideias do progresso e justiça e transformaram a visão da sociedade numa luta permanente “de nós contra eles”. Pelos vistos o sistema levou a um beco sem saída no qual a tradicional solidariedade social da esquerda se perdeu. O livro é uma tentativa de realinhar essas ideias.
SEMANADA - Em dois meses a subida do Euribor quase duplicou a prestação do empréstimo de 150 mil euros para compra de casa; o risco de crédito às famílias cresceu no primeiro trimestre; a execução do Programa de Recapitalização Estratégica, para as empresas afectadas pela pandemia, é inferior a 10%; um estudo da SEDES diz que a carga fiscal alta castra o crescimento das empresas, gera endividamento, déficit concorrencial e provoca salários baixos; a oferta de casas para arrendar caíu 9% entre Março e Maio, na sequência da apresentação do programa Mais Habitação pelo Governo; o sector do turismo tem falta de 45 mil trabalhadores; apenas 12% das câmaras têm o Plano Director Municipal actualizado; em 2020 e 2021 registaram-se 286 mortes por afogamento de crianças e jovens; a direção do Canal Parlamento, com um deputado indicado por cada grupo parlamentar, ainda não reuniu nesta legislatura, desde que tomou posse em Março do ano passado; na primeira metade do ano foram matriculados mais 40% de veículos automóveis que em igual período do ano passado; face ao envelhecimento da frota automóvel usada para a fiscalização ou licenciamento nas áreas de energia e minas, o Director Geral da Energia pediu ironicamente aos funcionários donativos para comprar um novo veículo já que o mais recente dos que estão ao serviço foi adquirido em 1999; atendendo aos dados da inflação, as rendas habitacionais poderão ter um aumento superior a 7% no próximo ano; um estudo da Marktest indica que o número de lares que possuem ar condicionado quase duplicou nos últimos dez anos; Pedro Nuno Santos regressou ao Parlamento e retomou o seu lugar de deputado, sentando-se na última fila do hemiciclo e declarando não ser candidato a nada.
O ARCO DA VELHA - O actual secretário de Estado da Defesa, Capitão Ferreira, realizou em 2019, antes de ir para o Governo, um trabalho de assessoria para o seu actual Ministério, pelo qual recebeu 12 mil euros por dia durante cinco dias.
AS CORES DO LEVANTE - Manuel Baptista, que morreu este ano, integrava o chamado grupo de pintores do levante algarvio. Baptista tem o seu nome e boa parte da sua obra com ligações à cidade de Faro onde viveu e trabalhou e onde, durante alguns anos, dirigiu uma galeria municipal. No fim de semana passado, no Museu Municipal de Faro, abriu a exposição “Natureza Paralela”, que agrupa obras do artista feitas entre 1962 e 2022 e que se desenvolve entre vários espaços do museu e a antiga galeria Trem, agora rebatizada Galeria Manuel Baptista. A viagem à obra começa logo na capela, no piso térreo do museu (na imagem), onde coexistem esculturas, desenhos e pinturas, como aliás ao longo de toda a exposição. Em algumas obras é patente uma ligação ao universo da pop art, bem evidenciado nas esculturas em acrílico e nos néons, assim como à banda desenhada, que fascinava Manuel Baptista, fascínio evidente em vários dos seus desenhos. A exposição foi ainda construída em vida do artista, comissariada por João Pinharanda, e termina, na Galeria Trem com os derradeiros trabalhos produzidos no final do ano passado. Como sublinhou Pinharanda, “as suas obras são sempre determinadas pela alegria das cores, pela diversidade dos materiais, por complexidades formais barrocas, pela recuperação do lado mais exaltante da vocação decorativa da arte, por um certo humor nostálgico” - talvez a melhor descrição que se pode fazer de Manuel Baptista. A terminar uma sugestão em Lisboa: na Galeria Brotéria (Rua de São Pedro de Alcântara 3) está patente, até 28 de Julho, a exposição “Disturbance In The Nile”, que agrupa obras de nove pintores sudaneses, com curadoria de António Pinto Ribeiro e Rahim Shadad.
UMA AVENTURA NA CULTURA - “Vamos Correr Riscos” é uma recolha de textos escolhidos de Madalena de Azeredo Perdigão, alguns inéditos, outros que até aqui eram de difícil acesso. O livro mostra o legado de uma mulher que depois de ter concluído o Curso Superior de Piano no Conservatório Nacional de Lisboa se licenciou em matemática na Universidade de Coimbra. Em 1958 iniciou a sua colaboração com a Fundação Calouste Gulbenkian, primeiro como chefe da Secção de Música, depois na criação e direção do Serviço de Música. Há quem diga que ela trocou uma carreira artística como pianista, que ambicionava, por uma dedicação ao serviço público nas artes. Da música passou, em meados dos anos 80, para a criação e direcção do Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte – ACARTE, inaugurado em 1983, deixando aí uma obra notável. Madalena de Azeredo Perdigão contribuiu para a fundação da educação artística em Portugal e os coordenadores do livro sublinham que ela não era propriamente uma ensaísta para quem a reflexão, por si mesma, fosse um objectivo: a sua escrita está sempre ligada ao combate no terreno pelas causas em que acreditava. As suas ideias estão plasmadas nas propostas das actividades que desencadeou, nos projectos de lei que coordenou, e em artigos de opinião e entrevistas no panorama global das artes e da educação em Portugal. O texto introdutório de Rui Vieira Nery destaca a missão de serviço público dedicado à gestão cultural e sublinha que Madalena Azeredo Perdigão continuou até ao fim a “fazer, em cada momento, o que faz falta à cultura do seu país”. O outro texto introdutório, de Inês Thomas de Almeida, permite perceber melhor quem foi Madalena Azeredo Perdigão, como chegou à Fundação Gulbenkian e como a Fundação se tornou a sua vida. “Vamos Correr Riscos - Textos escolhidos de Madalena Azeredo Perdigão” é uma edição Tinta da China.
UM DESAFIO PARA PIANO - Em Maio de 1994 Keith Jarrett fechou-se no seu estúdio próprio, o Cavelight, e gravou uma versão das Württemberg Sonatas de Carl Philipp Emanuel Bach, o segundo filho de Johann Sebastian Bach. Ao longo dos anos Jarrett tem visitado a obra de Johann Bach (como as variações Goldberg). Porque se virou a certa altura para esta obra do filho? É ele que explica, agora, como nasceu esta gravação feita em 1994: “Ouvi várias versões das sonatas tocadas por cravistas e pensei que havia espaço para uma versão tocada ao piano”. As sonatas tinham sido elogiadas na época por grandes nomes da música como Haydn ou Mozart. Originalmente compostas para clavicórdio, elas foram frequentemente tocadas em cravo. Jarrett não foi o primeiro a interpretar as sonatas ao piano, mas esta versão, ignorada durante três décadas, proporciona uma visão diferente do trabalho de um compositor que fez a transição do barroco para a época clássica do século XVIII. Jarrett executa as 18 sonatas, de forma sensível, respeitando a partitura mas interpretando as variações de ritmo de forma mais solta. Este é um bom exemplo de como Jarrett consegue fazer a adaptação criativa dos temas clássicos para uma audiência contemporânea. “Carl Philip Emanuel Bach”, de Keith Jarrett, é uma edição ECM disponível em CD, LP e nas plataformas de streaming.
FIM DE TARDE - Ao contrário de outros países, o fim de tarde é uma área de convívio pouco praticado nas grandes cidades. E, no entanto, basta ir aqui ao lado a Espanha para ver como as esplanadas e ruas se animam. E nas esplanadas há o bom hábito de tomar um bocadito e uma copa com amigos. Aqui, no verão, ainda se vê quem pratique uma imperial com uns caracóis ou uns tremoços, mas pouco se passa disso. O fim da tarde lisboeta é fraco de oferta na rua e não é um hábito. Em vez disso, toda a gente se mete no carro ao mesmo tempo, para partilhar um engarrafamento em vez de partilhar dois dedos de conversa e um aperitivo com os amigos. Somos o único país do sul da Europa onde não há o hábito do convívio ao fim de tarde, que é comum em Espanha e Itália. O português prefere fechar-se nas casas aquecidas pelo sol em vez de apanhar a brisa dos ventos de fim de tarde desta época do ano. E não devia ser preciso ir a um bom hotel para tomar um aperitivo acompanhado por outra coisa que não sejam amendoins rançosos. Temos bom vinho branco ou rosé, honestos espumantes, um gin tónico não é assim tão difícil de preparar, tão pouco devia ser impossível encontrar um Aperol spritz. Aproveitem o nosso bom tempo e frequentem as esplanadas ao fim da tarde. Não fiquem fechados em casa a ver séries.
DIXIT - “A prioridade dos últimos Governos nunca foi melhorar os serviços públicos. Os governos parecem mais interessados em distribuir e empregar do que em cuidar e tratar” - António Barreto.
BACK TO BASICS - “A educação, a ciência, a comunicação e a cultura têm uma relação mútua natural, permanente e obrigatória “- Guilherme de Oliveira Martins
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