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COERÊNCIAS - Numa recente aula na Universidade de Verão do Partido Social Democrata, Cavaco Silva, falando das autárquicas, apelou ao voto genérico no PSD. Entendo que foi um mau serviço que prestou numa aula destinada a jovens aspirantes a políticos. A última coisa que queremos são mais zelosos funcionários que olham para a política como uma actividade clubística. A política exige lealdade de parte a parte - das pessoas com o que pensam, dos partidos com o que está no seu ideário, no seu programa e na sua acção. Nas autárquicas, sobretudo nas autárquicas, o voto deve ser nos candidatos, no seu perfil e no que propõem localmente - e quando possível na análise daquilo que fizeram se antes já tiveram cargos autárquicos. Em todos os partidos há casos em que outro candidato é a melhor escolha em determinada freguesia ou concelho. Se há eleição em que a fidelidade de voto cega não deve existir é nas autárquicas. Eu sei que não voto em Medina, não pelo partido por onde se apresenta, mas pelo mal que tem feito à cidade, pelo seu autoritarismo e auto-suficiência. E não me repugna votar numa lista que seja diferente do meu voto habitual se nela existirem pessoas cuja actividade anterior me agrade e propostas que me pareçam adequadas. Essa é a única maneira de cumprir a cidadania. Às vezes os partidos esquecem-se dos seus deveres para com os eleitores e, mesmo assim, querem um cheque em branco. A política não pode ser isso, seja qual fôr o nosso lugar no espectro partidário.
SEMANADA - Até 31 de Agosto arderam 214.000 hectares em 12.000 incêndios e 90% da área ardida deveu-se a 123 desses fogos; uma psicóloga da Polícia Judiciária, Cristina Soeiro, afirma que 58% dos incendiários agiram sob influência do álcool; 97% dos inquéritos a crimes de incêndio são arquivados e apenas 48 suspeitos foram condenados a prisão em cinco anos; um candidato à Câmara de Coimbra reivindicou a construção de um aeroporto internacional na cidade; roupa doada pela marca Salsa a uma instituição de solidariedade social para ser enviada para a Guiné foi encontrada à venda numa feira em Mafra: há onze acidentes por dia com carros sem seguro; o número de carros elétricos vendidos no primeiro semestre mais que duplicou face a igual período do ano passado; no primeiro semestre do ano 4 milhões e 713 mil portugueses acederam a sites de informação a partir de computadores pessoais; 91 por cento das famílias portuguesas subscrevem televisão por cabo e 76% têm acesso a mais de 100 canais; segundo um estudo da Marktest há 4 milhões e 871 mil indivíduos que se dizem sócio e/ou simpatizante de clube(s) desportivo(s), valor que representa 56.9% dos residentes no Continente com 15 e mais anos; José Sócrates tornou-se no mais recente youtuber português, mas a sua novela “O Embuste da PT” teve apenas cerca de dez mil visualizações na primeira semana, muito longe dos valores dos mais vistos em Portugal.
ARCO DA VELHA - Todos os líderes partidários, à excepção de Jerónimo de Sousa que estava na festa do Avante, foram à feira das vacas em Vila do Conde
FOLHEAR - Ele há livros que são sempre oportunos e cada vez mais adequados aos tempos - Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, é um deles. A autora morreu há 200 anos mas esta sua obra, editada em 1813, continua a alimentar polémicas, muito devido ao seu primeiro parágrafo: “É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro, na posse de uma boa fortuna, precisa de uma esposa”. Orgulho e Preconceito é, nas palavras do autor de “O Cânone Ocidental”, Harold Bloom, um livro “ que rivaliza com qualquer romance jamais escrito”. No fundo esta é uma comédia sobre os perigos de fazer julgamentos precipitados e os benefícios de aprender a distinguir entre o superficial e o essencial. A história é simples, e é a da família Bennet: “cinco filhas por casar e uma mãe que só pensa em encontrar-lhes maridos”. Assim nasce o romance de Mr. Darcy e Elizabeth Bennet na Inglaterra do início do século XIX. Como referem as notas finais do livro, Orgulho e Preconceito “oferece uma ilustração poderosa dos efeitos prejudiciais para as pessoas e para a sociedade que o preconceito pode causar”. Editado na colecção de Clássicos da Guerra & Paz, o livro tem uma exemplar tradução de Diogo Ourique, a partir da fixação de texto da edição da Penguin Classics de 2014.
VER - Com a entrada em Setembro as coisas começam a animar-se e também as galerias de arte começam a dar sinais de vida. Na Galeria Alecrim 50 (Rua do Alecrim 48-50), a artista brasileira Bettina Vaz Guimarães expõe “De Que Cor é o Universo” (na imagem) mostrando um conjunto de trabalhos que realizou em Lisboa ao longo dos últimos meses. Bettina interpretou formas e cores da arquitetura presente nas ruas de Lisboa numa visão muito pessoal. No Funchal Teresa Gonçalves Lobo abriu ao público o seu atelier para mostrar as ilustrações que fez para o livro “unstill, inquieto” ( do poeta Roberto Vas Dias) e outros desenhos recentes - o atelier fica na Rua da Carreira 39, 2ºB, junto ao Museu Vicentes. Em Lisboa, na Cristina Guerra Contemporary Art (rua de Santo António à Estrela 33) está patente “I speak to people on the telephone”, de Ryan Gander e Jonathan Monk. Na Giefarte (Rua da Arrábida 54 ), Francisco Ariztía apresenta “auto-retratos”. Outras sugestões: a partir desta semana, na Galeria do Torreão nascente da Cordoaria Nacional, e integrada na programação de Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura, estará patente “Turbulências”, uma mostra de arte contemporânea de obras inéditas de 18 artistas da colecção “la Caixa”, que transmitem a sua visão deste mundo em convulsão permanente. Também a partir desta semana, no Palácio Nacional da Ajuda, em colaboração com a Fundação de Serralves, estará a exposição “Joan Miró: Materialidade e Metamorfose”, que traz a Lisboa até 8 de janeiro o conjunto de 85 obras do artista catalão que integravam a colecção do BPN e que o Governo decidiu manter em Portugal, numa decisão que causou polémica, já que muitas das obras são consideradas de duvidosa relevância.
OUVIR - O pianista Vijay Iyer, acompanhado pelo saxofonista Steve Lehman e pelo baterista Tyshawn Sorey têm feito, a solo e em grupo, alguma da música de jazz mais inovadora da costa leste dos Estados Unidos. Agora voltaram a encontrar-se em “Far From Over”, num sexteto onde participam também nos sopros Mark Shim e Graham Haynes e ainda o baixista Stephan Crump. Editado pela ECM o álbum foi considerado pela Rolling Stone como “uma amostra do jazz do futuro”. Como é hábito, as composições de Iyer, que ensina música em Harvard, são complexas e com um sentido de ritmo acentuado. A faixa inicial, “Poles” é um exemplo perfeito na organização dos músicos ao longo do desenvolvimento do tema, em crescendo. Em “Down To The Wire” os instrumentos de sopro são dominantes e evocam o bepop, enquanto em “Good On The Ground” a bateria de Sorey comanda claramente o sexteto. O líder, Iyer, tem também o seu quinhão de solos de piano, como em “Nope”, mas principalmente ocupa-se a proporcionar a entrada em acção dos outros músicos, nomeadamente os saxofones de Lehman e Shim ou o flugerhorn de Haynes, como acontece em “End 0f the Tunnel”. Em “for Amiri Baraka”, dedicado ao poeta do mesmo nome, os metais ficam de fora e o piano de Iyer, com a bateria e o baixo de Sorey e Crump constroem uma balada envolvente e poderosa, como também acontece em “Wake”. CD ECM, na Amazon.
PROVAR - Desde há muitos anos que a zona do Martim Moniz é uma espécie de sociedade das nações em termos gastronómicos e até de estabelecimentos onde se podem adquirir temperos e produtos alimentares de várias regiões do globo. Quer no Centro Comercial Mouraria, quer na praça ou nas ruas ali à volta há muito por descobrir e que escolher. Comecemos pelos supermercados e lojas. O Hua Ta Li, perto da Rua da Palma, tem uma larga oferta de produtos, de massas de arroz a guiozas, passando por algas e chás e tem uma zona de take away; no Amanhecer, do lado direito de quem desce para o hotel Mundial, os produtos chineses estão bem rotulados em português e muito bem arrumados; a Mercearia Indiana. no segundo piso do Centro Comercial Mouraria, é o paraíso das especiarias e, claro, tem várias variedades de caril. Passando para os restaurantes, no início da Rua do Benformoso há o Pho Pu, especialista em cozinha vietnamita; por falar em rua do Benformoso, essa é a zona onde pode encontrar restaurantes chineses improvisados em casas particulares, com menus esfuziantes - é uma questão de atenção e de ir procurando; dando um salto ao Brasil, na praça do Martim Moniz há um especialista num dos produtos da moda - a Toca do Açai, servido em smoothies ou em taças; também na praça recomenda-se o Shangai Cuisine onde a sopa wantan é muito elogiada; para um outro género, no Topo, que fica no sexto piso do Centro Comercial Martim Moniz e que tem uma vista magnífica, destaca-se o peixe branco cozinhado em caril ou o Tom Yun, um caldo picante com camarões, lulas, ameijoa e massa de arroz. A lista tem muitas opções. Mas o melhor mesmo é passear no fim da Rua da Palma, no meio da praça e nas ruas à volta, na zona da Mouraria. É descobrir um mundo novo em Lisboa.
DIXIT - “As claques nas redes sociais são o agitprop do século XXI” - Nuno Garoupa
GOSTO - Da decisão do TC que considerou inconstitucional a criação de uma taxa de protecção civil pelo Município de Gaia, o que pode levar a outras decisões, nomeadamente à eliminação de idêntica taxa que Medina impôs aos lisboetas.
NÃO GOSTO - Das opacidade e das dúvidas que rodeiam o destino dos donativos para as vítimas do incêndio de Pedrogão Grande.
BACK TO BASICS - "Por melhor que a estratégia pareça ser é sensato olhar, de vez em quando, para os resultados que está a produzir" - Winston Churchill
TALVEZ - Em pouco mais de 48 horas, algures no Atlântico, o mais alto magistrado da nação passou da salvação ao talvez, com passagem clandestina pela casa de partida da negação. Por muitos anos que viva não conseguirei perceber o que se passou - como é que alguém pensou que podia fazer xeque mate ao PS deixando sem imaginar o Rei Soares a esgueirar-se para dentro do tabuleiro. Na política, como no xadrez, é preciso saber as regras do jogo e, mais ainda, antever as jogadas do adversário. Notoriamente o pecado capital de Cavaco Silva foi não prever o que se poderia passar. Tomou os desejos por realidades, fiou-se nas conversas das sereias que o bajulam e negou as evidências. Quando no último round deste combate de boxe entraram os pesos pesados em acção, o peso pluma de Belém ficou sem reacção. meteu os pés pelas mãos e mostrou como os 20 dias que empatou foram dias perdidos - porque regressou exactamente à casa de partida onde estava. Se há coisa que esta crise de 2013 mostra é a necessidade de rever o papel do Presidente da República - este semi-presidencialismo excitado, que fenece ao primeiro obstáculo, é uma atrapalhação para o Parlamento e para o regime. O regime, já o sabemos, não está são e os partidos estão comatosos. No meio deste desvario, o Presidente da República tem sido mais um carrasco que um salvador. E esse é um dos recorrentes problemas a resolver. Adivinha da semana: quem é que gosta de falar do futuro daqui a um ano e vai falhando o futuro próximo, que está ao virar da porta, comprometendo o presente ?
LISBOA - À medida que se aproxima o 29 de Setembro, aceleram as obras. Ruas há muito esburacadas levam um maquilhagem de asfalto. A Rua do Ouro, que parecia um concurso de lombas e declives, está a levar um “facelift”. Costa desempenha o papel daqueles cirurgiões estéticos que não resolvem o problema, mas conseguem iludir as aparências. O que anda a fazer em Lisboa - da beira rio, ao centro da cidade, é uma espécie de botox alcatroado. Só lhe falta fazer rotundas - mas em compensação fez ciclovias que permanecem desertas na maior parte do dia. Pelo caminho que as coisas levam, António Costa será um voto perdido para os que ne acreditam - vai conseguir maneira de deixar Lisboa entregue ao soldado desconhecido enquanto ele vai pelear pelo Governo - A Lisboa de Costa, a vida política de Costa, é isto: ilusão, make up e propaganda. O pior é quando se anda na Avenida da Liberdade...
SEMANADA - Sinal do regime: o BPN continua bem presente na vida política nacional e no poder; na imprensa, entre 2004 e 2011 desapareceram 782 publicações regulares; a dívida portuguesa é, na zona euro, a que mais sobe desde 2010 - 42 milhões de euros por dia ao ritmo actual; Vitor Gaspar dimitiu-se a 1 de Julho; a crise abriu-se a 2 de Julho com a demissão de Paulo Portas; a nova orgânica proposta para o Governo, já após negociações da coligação, foi comunicada dia 5 por Passos Coelho a Cavaco; depois o Presidente da República fez um intervalo para parto de uma ideia e, finalmente, a remodelação só foi concretizada a 23, o mesmo dia em que António José Seguro completou 2 anos à frente do PS - imagino que a remodelação tenha sido uma prenda segura depois da ruptura das negociações de “salvação nacional”; indiferente às redundantes reorganizaç\oes e discussões sobre serviço público, a televisão está a mudar - meia centena de candidatos às autárquicas já criaram canais de televisão próprios no Meo Kanal, algo impensável há quatro anos; nos últimos cinco anos foram investidos seis mil milhões de euros em projectos agrícolas; o negócio da agricultura biológica vale 20 milhões de euros por ano; as exportações de frutas, legumes e flores triplicaram na última década; dos 75 mil candidatos a professores, só 1344 foram colocados; dos 40 mil professores contratados apenas três conseguiram entrar nos quadros de uma escola pública; a greve de guardas prisionais teve forte adesão na cadeia dos VIP - qualquer dia há um reality show por detrás das grades.
ARCO DA VELHA - Suspeitas de fraudes no Serviço Nacional de Saúde já levaram à detenção de 35 pessoas, à constituição de 250 arguidos e à detenção de irregularidades superiores a 135 milhões de euros.
VER - Pode um curador deixar uma marca? Eu digo que sim, e há duas exposições em Lisboa que abonam esta tese, ambas com curadoria de Luis Serpa. No BESart, no Marquês do Pombal, está 'Territórios de Transição #11 - A Experiência do Silêncio', que reúne um conjunto de obras de fotografia da coleção BESart e d'O Museu Temporário, até 19 de setembro. É uma exposição que mostra a importância do ritmo com que o visitante vê, quando se faz uma montagem de uma sucessão de obras, na essência muito diferentes, mas que acabam por confluir graças ao trabalho do curador. Mas é em “Aparências Privadas”, uma mostra de auto-retratos de artistas contemporâneos, da colecção Safira& Luis Serpa e da Colecção Arpad Szenes-Vieira da Silva que melhor se compreende a importância do curador e, muito, do pormenor da escolha, da montagem. A exposição estará patente até 10 de Novembro na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, no Jardim das Amoreiras,e é um dos pontos imperdíveis do roteiro estival em Lisboa.
OUVIR- Se tiverem um descapotável a audição deste disco fica facilitada: é pô-lo a tocar e senir os quilómetros a passar, com a brisa a ajudar. Se não for o caso, como acontece à maioria doa mortais, o disco serve para imaginar como podia ser agradável ouvi-lo nas circunstâncias atrás descritas. Seja como fôr este disco de que falo substitui um DJ - porque é feito por DJ’s, que fizeram as suas malfeitorias habituais em cima de temas clássicos do jazz vocal. “Verve Remixed - The First Ladies”, agarra em temas históricos do catálogo da Verve, de nomes como Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Nina Simone, Dinah Washington ou Astrud Gilberto e dá-lhes um tratamento remix por cima. Os puristas não vão gostar, o tratamento é mais radical que em anteriores remixes do catálogo Verve. Aqui há pouca ligação com o passado e, mais, um exercício do prazer imediato. Sinal dos tempos que correm. (Verve Remixed, the First Ladies, CD Universal, FNAC)
FOLHEAR - A “Wired” britânica de Agosto dá a capa ao tema “Como ser criativo nos negócios: 13 lições para pensar mais ráºido e melhor”. Atendendo à conjuntura nacional eu acho que uma boa atitude de serviço público era distribuir exemplares desta edição por vários ministérios. Começava em S. Bento, onde a criatividade se revela cada vez mais necessária, e depois fazia um périplo pelas Finanças, a Economia e a Educação. Já nem faslo nos novos Negócios Estrangeiros, porque o bafio é medonho. A ver vamos como tudo se desembrulha. A “Wired” britânica continua provocatória como se deseja, “mainstream” para ser viável e útil para ser atraente. Em resumo - três pilares de serviço público - se a RTP fosse provocatória, mainstream e útil, em simultâneo, não haveria tanta conversa à volta do assunto. A coisa resolvia-se por si. A vantagem do comando de televisão é que assim toda a gente pode mudar de canal. E, eventualmente, ouvir ou ler em vez de ver. A experiência não é pior.
PROVAR - Sento-me com amigos à volta de um queijo, umas lascas de presunto também. Combinamos petiscar. Abre-se uma garrafa de “Aurius”, o tinto de touriga nacional, syrah e petit verdot feito por José Bento dos Santos na sua Quinta do Monte D’Oiro, em Alenquer. O ano da colheita é 2009, mas chegou agora ao mercado. Tem 14º e o seu aroma quente vai bem com os petiscos que debicamos. Beberricamo-lo devagar, a apreciar os sabores das castas que o compõem. Perdemo-nos nos abores e na conversa. Foi uma noite magnífica.
GOSTO - Da nova composição do Governo
NÃO GOSTO - Do tempo que se perdeu a fazer a remodelação
O discurso do Presidente da República do passado Domingo baseou-se em traduzir o discurso anterior que, nas singelas palavras de alguns observadores, lançou o caos na situação política. Do que percebi, o Presidente acha que fala claro, que não faz confusões nem complica, e sublinhou que, se não o percebem, a culpa não é dele, que, por acaso, só tem boas ideias e as melhores intenções. Clinicamente, como se classifica quem confunde a realidade com os seus desejos?
A coisa não está fácil para Portugal. A revista “The Economist”, na sua mais recente edição, escreve que “o Presidente Aníbal Cavaco Silva interveio de forma inepta para pedir aos dois partidos da coligação e aos socialistas de centro-esquerda, para forjarem um pacto de salvação nacional”. Para que não surgissem dúvidas fui ao dicionário ver o que queria dizer “inepto”. Aí está: “Que significa ou demonstra ausência de inteligência: argumento inepto - sem coerência; que não possui ou faz sentido; confuso.” Fiquei esclarecido, afinal a dificuldade de compreensão não é só minha.
Aquilo que vejo é que andámos duas semanas a perder tempo, numa tentativa de acordo que, como era expectável, trouxe os históricos do PS à ribalta, dando~lhes palco e a possibilidade de transmitirem instruções claras, ao mesmo tempo que se evidenciou que António José Seguro tem, no interior e no exterior do seu partido, o carisma de um caracol.
Se há coisa que saíu desta crise é que António Costa está agora mais próximo de ser o futuro líder do Partido Socialista. Quem, nas autárquicas, vota em Lisboa pode ir contando que Costa muito provavelmente não cumprirá o próximo mandato camarário - portanto quem nele votar irá desperdiçar o voto porque não o irá ver por muito tempo na Praça do Município.
(Publicado no diário Metro de 23 de Julho)
SMS - Para a lenda há-de ficar esta história: na nossa crise destes dias, no meio das negociações entre os partidos, oscilando entre sedes partidárias, houve quem enviasse, via sms, a jornalistas, sinais do agudizar das divergências. Só me espanto de no twitter não surgirem relatos - já espero de tudo, vindo de todos. Estas negociações são em boa parte uma encenação apressada de uma dramaturgia estranha escrita em Belém e que deixou o fim em aberto - será mesmo um “happy end” aquilo que o Presidente, lá longe, nas Ilhas Selvagens, pretende? De qualquer maneira na quarta feira é certo que começaram os discursos preparatórios para não haver acordo algum de governação. Não me espanto muito, a única coisa que me surpreende é que à quarta a mesa continue em amena cavaqueira depois de se saber que, na quinta, um dos presentes vai votar, numa moção de censura, contra os outros dois. O mundo está estranho, o país ainda mais e neste momento só me ocorre dizer, como um divertido comentador desportivo sublinhou há uns anos: prognósticos só no fim do jogo. Uma coisa tenho por certa: uma geração de eleitores vai olhar para isto com desprezo e pensar que quando um país está entregue, nos seus mais altos cargos, a reformados, alguma coisa vai mal. O resultado está à vista. O regime está a precisar de ume reforma, que comece por tirar os reformados do leme.
SEMANADA - O Presidente da República abriu a porta a uma próxima campanha eleitoral, a começar agora, e a terminar daqui a um ano; o PS aceitou sentar-se à mesa de negociações com o PSD e CDS; o PS anunciou que vai votar uma moção de censura ao Governo; José Junqueiro, vice-presidente da bancada parlamentar do PS, vê “com muita dificuldade” um acordo com PSD e CDS; PS manifestou abertura a reunir com o PCP e com o BE, que não quiseram reunir com o PSD e CDS; Mário Soares avisou que um acordo do PS com os dois partidos da coligação só aconteceria “se o PS fosse dirigido por alguém que não tivesse senso”; no final da reunião com o BE, o PS emitiu um comunicado no qual afirma que este Governo “tem os dias contados” ; Álvaro Santos Pereira está em visita oficial a Angola; Cavaco Silva foi em deslocação oficial às Ilhas Selvagens; o PS sublinhou que as negociações não envolvem nenhum representante do Governo, apesar da presença de vários secretários de Estado e de um Ministro; o eventual candidato do PSD à Câmara de Lisboa, Fernando Seara, anunciou que quem não chegar a acordo será “sancionado pelo eleitorado”; o gabinete de prevenção e investigação de acidentes com aeronaves está desde esta semana sem qualquer investigador ao seu serviço; os metropolitanos de Lisboa e Porto perderam 7,7 milhões de passageiros num ano; as dívidas fiscais aumentaram 7,7 milhões de euros com a troika; o emprego em Portugal recuou a níveis de 1995 e o consumo a níveis de 1999; o programa de ajustamento já destruíu 686 mil postos de trabalho.
ARCO DA VELHA - A CP vendeu quatro dezenas de bilhetes para lugares inexistentes num comboio Lisboa-Faro na passada segunda-feira, levando os passageiros a viajar de pé e no bar do comboio.
FICAR- Na semana passada descobri os Açores. Melhor dizendo, ajudaram-me a descobrir os Açores, insistindo comigo para que fosse. Fiquei muito contente por ter ido: estive cinco dias em São Miguel e fiz quase setecentos quilómetros por estradas grandes e por estradas pequenas, indo a todos os recantos e parando nos mirantes que encontrei. Comi bem em bombas de gasolina e em esplanadas em cima do mar; no Hotel onde fiquei e, em restaurantes onde fui e em casa de amigos que me acolheram. Na estrada, por todo o lado me ajudaram com indicações de caminhos e sugestões do que ver. Fiquei rendido a São Miguel e com vontade de descobrir o resto dos Açores. Tive a boa sorte de ficar no Hotel Terra Nostra, nas Furnas, e não podia ter ficado melhor. O Hotel está num parque natural, único, cuidadíssimo, onde é um prazer passear, e que mostra a diversidade da flora da ilha. Não é muito fácil para mim descrever a natureza, mas este é daqueles locais onde apetece ficar, ao qual se quer voltar. No meio do parque está um enorme tanque circular, de água termal, quente, onde se entra para perceber que o descanso não é uma palavra vã e o conforto é um conceito que não se esgota no óbvio. Hei-de voltar a este Terra Nostra - já me tinham dito que é um local que exerce fascínio. Comprovei ser completamente verdade.
PROVAR - Desta vez não vou falar de um só restaurante mas do que provei em vários sítios. Primeiro, falo do mar: de uma abrótea e de um veja que me acolheram no Terra Nostra e que reconfortaram das viagens. De umas lapas grelhadas das quais viciosamente abusei numa esplanada na Ribeira Grande, acompanhado por um branco seco, local, o Curral Atlantis com acidez adequada aos petiscos do mar. Mas, sobretudo, devo destacar um peixe que ignorava, de textura e sabor até então desconhecidos, e que mesa amiga me deu a provar - um rocaz, fantástico. Mas quero também falar do queijo de São Jorge, acompanhado de chutney de ananás e servido com o Czar, um vinho generoso do Pico e que deve o seu nome à preferência que os titulares da coroa imperial russa tinham por ele, ao ponto de comprarem toda a produção. E já tenho saudades da carne, bem cozinhada, bem temperada e sobretudo tenríssima, a puxar por um vinho tinto, do Pico, o Basalto, de uva americana, servido refrescado, a acompanhar bem estes petiscos carnívoros. E por falar nisso, remato com o célebre cozido das Furnas, que leva sete horas a fazer em buracos no chão vulcânico, com os enchidos da região - de que se destaca a morcela - com batata doce e inhame ao lado do entrecosto, da couve e do repolho. Imperdível, a gastronomia açoriana.
VER - De há uns anos a esta parte assistia à presença da Galeria Fonseca Macedo, de Ponta Delgada, na Arte Lisboa, na FIL, onde tem tido uma presença que chamava a atenção. No meio das minhas voltas micaleenses da semana passada, tive a sorte de coincidir com uma nova exposição - “Austeridade” de Ana Vidigal, e “Osso” de Paulo Brighenti, ambas possíveis graças à colaboração com a galeria Baginski, de Lisboa. Situada no centro de Ponta Delgada a “Fonseca Macedo” é uma lufada de ar fresco, dedicada à arte contemporânea, e que tem desenvolvido um núcleo de coleccionadores açorianos, alguns dos quais conheci naquela noite. Gostei de rever estes trabalhos recentes de Ana Vidigal e de Paulo Brighenti, de os sentir ali apreciados, a meio do Atlântico. Nada como uma noite de abertura de uma galeria de arte contemporânea para nos permitir tomar o pulso a uma sociedade - ver quem vai ser visto, quem vai por dever de ofício, ou quem vai porque gosta de descobrir. Felizmente foi uma noite, para muitos, de descoberta.
OUVIR- Sou suspeitíssimo nesta matéria: acho que J. P. Simões é um dos nossos músicos mais geniais, um dos autores de canções que vai ficar para a história destes anos terríveis. Letras provocatórias, observações certeiras, cuidado e originalidade nos arranjos - tudo faz dele um caso à parte. Mesmo que hoje em dia seja ainda ignorado por uns e marginalizado por outros, suspeito que este seu repertório, particularmente o deste novo CD “Roma”, ainda vai dar que falar ao longo dos anos. Ouço-o com cada vez maior prazer, descubro nele sempre alguma coisa de novo em cada audição. J P Simões é o mais tropical dos nossos músicos, tanto que às vezes pode parecer demais. Mas é bom, genuíno e dá que pensar. (CD “Roma”, JP Simões, na FNAC).
FOLHEAR - A edição de Julho do “British Journal Of Photography” mostra como os encontros de fotografia de Arles, depois de há uns anos largos terem mostrado a importância da côr, regressam este ano ao preto e branco. E, sobretudo, dá a conhecer um belíssimo portfolio de George Giorgiou e Vanessa Winship, intitulado “The Long Road” e que mostra a coexistência entre duas visões, mas também entre várias técnicas, evidenciando como se podem conjugar de forma harmónica os retratos, as paisagnes, as cores, o preto e branco. Sem os fundamentalismos que tantas vezes nos impedem de ver o que queremos observar. Uma bela edição anti-dogma.
DIXIT - “ Seguro prometeu-me que o PS não fazia cedências” - Manuel Alegre
GOSTO - Do canto das cagarras, pássaros abundantes na reserva das Ilhas Selvagens.
NÃO GOSTO - Que tenham ido incomodar as cagarras às Ilhas Selvagens.
(Publicado no Jornal de Negócios de 19 de Julho)
Se a situação estava confusa, mais confusa ficou depois da enigmática proposta de Cavaco Silva. A sua intervenção da semana passada fez-me lembrar o mágico que queria mostrar um truque de cartas extraordinário, mas que a meio se atrapalhou e atirou o baralho ao ar, espalhando tudo em seu redor.
A ideia do lamentável Presidente que temos parte de dois pontos: ele acha que ao propor diálogo fica isento de culpas no cartório e, depois, consegue arranjar espaço de manobra para tentar impor uma solução sua, não sujeita a eleições e não controlada pelo Parlamento. O que este Presidente da República está a tentar é subverter o regime sob a aparência da normalidade.
Já tínhamos provas bastantes dos problemas que existiam com o semi-presidencialismo do regime português, agora, com azar, talvez tenhamos que ver a nossa vida num regime presidencialista com fraca cultura democrática. Preparem-se que a longa metragem em pré-produção em Belém parte desse guião.
Como se tem visto nestes últimos dias o Presidente, que despertou para o que se passava tarde e a más horas, deixou de querer usar a magistratura de influência para usar a magistratura da imposição. No fundo ele está apenas a usar os partidos para depois dizer que não se entendem, e aparecer ele próprio – ou por interposta pessoa de um seu escolhido – como o salvador da pátria.
Tenho uma certa embirração pelos salvadores da pátria e aquilo que está a acontecer faz-me reforçar ainda mais a minha desconfiança. Daqui não vai sair nada de bom e o resultado deste presidencialismo está já à vista: mais dificuldades externas, maior confusão política, maior instabilidade, degradação da situação económica. Ou seja, um afundador do país em vez de um salvador da pátria. Lamentável presidência.
(Publicado no diário Metro de dia 16 de Julho)
Ouvi dizer que o Presidente da República está muito preocupado com o futuro e com o que o país deve fazer no pós-troika. Mas a verdade é que no seu discurso do 10 de Junho só o ouvi falar sobre o passado, como Portugal era maravilhoso e se transformou de forma tão inexcedível quando ele foi Primeiro-Ministro. Foi um discurso cínico, cruel. a justificar opções passadas que, em muito, nos conduziram onde estamos. Foi o elogio disfarçado e hipócrita de uma época em que Cavaco Silva optou pelo betão, pelo princípio do desvario nas obras públicas e se esqueceu de criar bases sustentadas de desenvolvimento. Cavaco, Primeiro-Ministro, entregou o país ao eixo franco-alemão que nos inundou de fundos para pagar o que nos roubava na agricultura e nas pescas. É de um cruel cinismo falar como ele falou. Se existiam dúvidas de que Portugal não merece ter um Presidente da República como ele, desvaneceram-se com o que Cavaco Silva disse neste 10 de Junho.
Quando daqui a uns anos se fizer a história verdadeira - não o embuste habilidoso dos discursos do 10 de Junho - ver-se-à quão nefastas foram as escolhas e opções estratégicas de Cavaco na governação e como foram perniciosas as suas opções no desencadear e evoluir dos momentos críticos da crise - desde Sócrates até agora. Nessa altura poder-se-à perceber como os milhões que a Europa pagou a Portugal se destinaram apenas a iludir e distrair o pagode com estradas, enquanto uns quantos as construíam e outros íam fazendo negociatas à conta dos lugares que tinham ocupado na política. O maior legado de Cavaco, de que ele não fala, é o rol de casos pouco claros que envolvem gente da sua entourage e que continuam a ser o exemplo do pior que o regime tem para mostrar.
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