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PISTAS - Esta semana Nuno Garoupa, o professor de Direito (actrualmente numa universidade americana) que durante anos recentes dirigiu a Fundação Francisco Manuel dos Santos, deu uma entrevista ao jornal i onde traça um retrato certeiro do país. Com a devida vénia, aqui vão excertos: “De 1995 a 2015, quase meio milhão de pessoas deixaram de votar. Em 1995 votavam em partidos 5,8 milhões, hoje estão a votar à volta de 5,2. Se continuarmos neste padrão e a este ritmo, dentro de uns dez anos estarão a votar nos partidos cerca de 4,5 milhões de pessoas. E quem são esses 4,5 milhões? São os eleitores que votam sempre nos mesmos partidos: o sistema, os militantes, os simpatizantes e os caciques. Estaremos reduzidos à mobilização desse núcleo e sem qualquer sociedade civil. Dois milhões da direita e dois milhões e meio de esquerda, e aí está.” (...) “Olhando todos os estudos, o votante mediano não está à direita, está à esquerda. E mais do que isso, a renovação geracional, em que a camada dos 20 aos 30 anos está mais à direita que a camada dos 70 aos 80 porque já ninguém se lembra do Estado Novo, tem um problema. É que as pessoas dos 20 aos 30 não votam. O eleitorado está envelhecido e cacicado. Não votam porquê? Porque a direita não encara esse desafio de mobilizar abstencionistas.” Raras vezes vi um retrato tão perfeito do que se passa em termos da degradação do sistema político e partidário.
SEMANADA - Seis antigos presidentes de municípios do distrito de Viseu foram acusados pelo Ministério Público de combinarem um esquema que lhes permitiu cobrar senhas de presença e ajudas de custo indevidas, durante cinco anos, no total de cerca de meio milhão de euros; um sargento da GNR de Vila Real recebia mil euros por avisar a realização de rusgas em casas de alterne; as penhoras de automóveis pelo Fisco aumentaram 28% em 2016; quase 30 mil famílias pediram ajuda em 2016 ao Gabinete de Apoio ao Sobreendividado, da DECO; nas cadeias portuguesas, para 14 mil presos, há 30 psicólogos - um para cada 466 detidos; nos vinte tribunais reabertos no início do ano só foi efectuado, até agora, um único julgamento; entre 2014 e 2016 as compras a empresas farmacêuticas registaram uma subida de 200 por cento e os gastos do Estado com medicamentos atingiram no ano passado os 527 milhões de euros; os hospitais públicos realizaram menos 5626 cirurgias entre janeiro e novembro de 2016, face ao período homólogo de 2015; há 30 mil pessoas sem médico de família no litoral alentejano, entre Odemira e Alcácer do Sal; Portugal tem a segunda maior dívida pública da zona euro - 133,4% do PIB; enquanto Portugal colocou recentemente dívida a um juro de 4,2% a Espanha, na mesma altura, conseguiu colocar dívida a 1,5%; o gasto do Estado com parcerias público-privadas rodoviárias aumentou 77% no terceiro trimestre do ano passado; o Tribunal da Relação de Évora considerou que agarrar uma pessoa pelo pescoço não constitui violência doméstica.
ARCO DA VELHA - Filipe Silva, o subcomissário que agrediu em maio de 2015 um adepto do Benfica em Guimarães à frente dos dois filhos menores, continua a exercer as mesmas funções e recebeu um louvor do Comando de Braga da PSP porque "prestigia a polícia".
FOLHEAR - A revista “Monocle” está prestes a comemorar o seu 10º aniversário, com uma edição especial e algumas mudanças, que são já ventiladas no editorial da edição nº100, agora publicada. Nesse editorial o fundador e Director da “Monocle”, Tyler Brulé, conta que o projecto começou a ser pensado em 2004, para nascer três anos depois. Durante esse período de tempo preparatório, que serviu para definir o modelo, angariar capital e escolher a equipa, o nome de código da nova publicação era “Project Europa”. A equipa dirigente da revista, conta Brulé, está agora na fase de colocar questões: o desenho de capa e o formato devem ser mantidos? Os leitores que seguem a revista entretanto envelheceram 10 anos - deverá isso levar a usar um tipo de letra e um espacejamento entre linhas maiores? Ao fim de uma década há uma geração de potenciais leitores que não lêem edições em papel - deve a “Monocle” entrar no formato digital que sempre evitou? Deliberadamente a “Monocle” tem apenas um arquivo digital exclusivamente acessível a assinantes e uma operação audiovisual integralmente online centrada na rádio Monocle24 e nos mini-documentários video que acompanham o seu site e a sua newsletter diária - mas os conteúdos da edição impressa não são disponibilizados on line de forma gratuita nem avulsa. Ao longo desta década a “Monocle” desenvolveu lojas e cafés em algumas cidades, criou produtos próprios em acessórios, roupa, perfumes e até editou duas dezenas de livros. Começou como uma revista graficamente surpreendente, dos 19 colaboradores iniciais passou para mais de 100, com escritórios em nove países, evoluíu para uma marca global e um guia para um fiel grupo de seguidores urbanos e cosmopolitas. E nos próximos dez anos? Dentro de pouco tempo saberemos, mas Tyler Brulé promete que a edição impressa continuará a ser o motor da “Monocle”.
VER - O pintor japonês Jun Shirasu passou três meses, numa residência artística da Oficina Ratton, na Arrábida, a pintar um painel de azulejo a que deu o título “A Viagem da Camélia” que mostra, numa narrativa visual, como essa planta veio do Japão para Portugal e, também, a história cruzada dos dois países nos séculos XVI e XVII. Trata-se de um impressionante mural azulejar de 0,98 x 19,60 metros; a exposição apresenta ainda um conjunto de azulejos avulso intitulado “Diário Gráfico” e 4 painéis onde o imaginário e as memórias de viagem estão presentes. Uma outra série, de ” falsos azulejos”, leva-nos às origens dos primeiros trabalhos do artista enquanto gravador. No painel Jun Shirasu utilizou o azul cobalto sobre esmalte branco (na imagem) numa técnica inspirada na sua experiência enquanto gravador. A presente exposição, que ficará patente até 28 de Abril, inicia a comemoração do 30º aniversário da Galeria Ratton (Rua da Academia das Ciências 2C). Outras sugestões: na Barbado Gallery (Rua Ferreira Borges 109A) está patente até 4 de Março a exposição “The Americans”, do fotógrafo norte-americano Christopher Morris, que mostra imagens do livro com o mesmo nome editado originalmente em 2012, com o propósito de fazer um retrato antropológico da América, num trabalho que decorreu ao longo de oito anos; finalmente, na Galeria Belo Galsterer (Rua Castilho 71-1º), até 25 de Março, a colectiva “Paperworks IV - Portadores de Ideias”, que mostra edições de múltiplos de, entre outros, Pedro Calapez, Pedro Proença, Jorge Molder, Alexandre Conefrey, Mário Macilau e até do criador da ideia de múltiplo, Joseph Beuys.
OUVIR - Hope Sandoval tornou-se conhecida como a voz dos Mazzy Star, uma banda que fez história nos anos 90. “Until The Hunter” é o terceiro álbum que ela faz com os Warm Inventions, o duo que criou com o baterista dos Bloody Valentine, Colm O’Ciosoig, no início deste século. Ao longo dos anos colaborou também, entre outros, com os Massive Attack e com Jesus & Mary Chain e, inesperadamente, em 2013 apresentou novo trabalho no projecto Mazzy Star. Mas em finais do ano passado regressou à forma Warm Inventions com este novo disco onde a sua voz é mais uma vez a marca dominante. “Until The Hunter”, que já é considerado como o seu melhor trabalho nos Warm Inventions, tem muitas influências - desde logo da canção dos Mazzy Star que a tornou conhecida, “Fade Into You”, e que aqui é evocada em temas como “Peasant” e “Isn’t It True”. Há claras influências folk em “A Wonderful Seed” e “The Hiking Song” e o seu lado psicadélico sobressai na forma como voz e percussão combinam ao longo dos nove minutos da faixa de abertura, “Into The Trees”. Destaque ainda para o dueto com Kurt Vile em “Let Me Get There”, e para os temas “Day Disguise” e “Treasure” e, sobretudo, para um surpreendente tema final, um blues poderoso, “Liquid Lady” que simbolicamente contrasta de forma evidente com a faixa de abertura, parecendo uma espécie de promessa de algo que pode ser retomado no futuro. Hope Sandoval usa a voz, toca vibrafone e teclas e Colm O’Ciosoig toca bateria, percussões e guitarra. Disponível no Spotify.
PROVAR - No dia a dia há muitos casos em que se aplica a máxima “não se deve voltar onde se foi feliz”. Creio, no entanto, que este princípio não se deve aplicar a restaurantes. É salutar de vez em quando ver como estão as coisas, analisar, avaliar se há variações na qualidade dos ingredientes, da cozinha ou do serviço. Um bom restaurante quer-se um garante da regularidade. Não é de esperar que, à mesma mesa, um dia os pastéis de bacalhau sejam bons e na semana seguinte sejam maus. Se isto é importante em relação a pratos que se podem repetir ao longo de todo o ano, é ainda mais importante quando falamos de pratos que só se servem em determinadas estações de ano - porque a matéria prima é sazonal. Pratos de caça, uma das delícias do Inverno, entram nesta categoria. O “Apuradinho”, em Campolide, é um dos bons sítios onde se pode comer uma perdiz de caça, num tradicional estufado, acompanhada de batatas novas, cebola e fatias de pão frito. Ano após ano não tenho más surpresas nas perdizes que vou comendo no Apuradinho. Para rematar, e apesar da boa lista de doces conventuais da casa, a minha opção, nestes dias, vai para uma pera bêbada em vinho tinto - primorosamente confeccionada. No inverno, de 15 em 15 dias, há cozido às quintas. E a lampreia está quase a chegar… Apuradinho, Rua de Campolide 209, telefone 213 880 501.
DIXIT - “Faz parte da função presidencial chegar a todos” - Marcelo Rebelo de Sousa.
GOSTO - Em Leiria foi criada a primeira biblioteca para invisuais com obras em braille.
NÃO GOSTO - Do veto do Conselho de Opinião da RTP à indicação de João Paulo Guerra como Provedor do Ouvinte da rádio pública.
BACK TO BASICS - «O mundo estaria salvo se os homens de bem tivessem a ousadia dos canalhas» - Nelson Rodrigues
ELEIÇÕES - Daqui a pouco tempo realizam-se as presidenciais norte-americanas e cresce o debate sobre o peso da abstenção nos resultados eleitorais. Recentemente, em Portugal, essa questão colocou-se nas eleições regionais dos Açores, com a abstenção a rondar os 60%. E com o início do novo ciclo eleitoral, no próximo ano, com as autárquicas, crescem as dúvidas sobre a dimensão da abstenção, os seus efeitos e o que pode significar em termos de regime. Não resisto a citar um excerto de um texto de Manuel Villaverde Cabral, publicado esta semana no “Observador” e que retrata exactamente o que se passa. Com a devida vénia, aqui vai: “Nos Estados Unidos como em Portugal e, crescentemente, na maior parte dos países que têm a liberdade de votar, na enorme crise da representação política que reina entre nós, são os abstencionistas que fazem, por defeito, os resultados eleitorais. Assim como o actual presidente português, com a sua badalada vitória, acabou por ter os votos de menos de um quarto dos eleitores inscritos, o abstencionismo também é muito alto nos Estados Unidos, embora a comparência às eleições presidenciais («turn out»), seja mesmo assim, superior à nossa. O que não deixa de ser inquietante é que os destinos da humanidade estejam, sem exagero, nas mãos dos abstencionistas, tal como o estão os destinos dos portugueses, mas a verdade é que assim é!”. Este é o estado a que políticos e seus partidos conduziram a participação cívica: tudo se resume a pagar com impostos o desgoverno que praticam. A certa altura as pessoas cansam-se. Porque será que os eleitores são uma espécie em vias de exteinção e a quem interessa o seu extermínio?
SEMANADA - Os portugueses compraram em média nove mil telemóveis por dia no primeiro semestre deste ano - em 2010 a média era de 17 mil aparelhos por dia; 80% dos aparelhos vendidos este ano foram smartphones; os call centers empregam cerca de cem mil trabalhadores; o consumo de cerveja caíu 25% nos últimos dez anos em Portugal; as praxes académicas já provocaram nove queixas, em seis estabelecimentos de ensino diferentes, nos dois primeiros meses do novo ano lectivo; um estudo da Marktest indica que o concelho do país com melhor indíce de qualidade de vida é Castelo de Vide; 40% das medidas previstas no Simplex foram executadas nos primeiros seis meses do programa; há 930 mil portugueses sem médico de família; a Educação teve mais dinheiro no Orçamento de 2012 do aquele que está previsto no orçamento de 2017; o turismo criou este ano 45 mil postos de trabalho; 25% dos mortos na estrada são vítimas de atropelamento e Portugal regista mais de cinco mil acidentes com peões por ano; Trump passou a liderar sondagens no Dia das Bruxas; os célebres novos lugares de estacionamento que a Câmara Municipal de Lisboa vai criar para moradores da cidade serão afinal pagos e terão um custo mensal de 30 euros; foi revelado que a França fez um acordo secreto com a Comissão Europeia para não cumprir as metas do défice.
ARCO DA VELHA - Uma utilizadora de um autocarro no Porto, que numa travagem brusca foi projectada contra uma das portas do veículo, recebeu uma carta da empresa transportadora STCP a exigir o pagamento de 870 euros por danos causados ao veículo
FOLHEAR - Como será daqui a uns anos organizar uma colectânea de escritos trocados entre duas personalidades? Será uma empreitada digital no correio electrónico? Existirão livros com as mensagens trocadas no whatsapp, no messenger do facebook ou no hangouts do gmail? O livro que aqui vos trago hoje não é nada disso: é uma recolha da correspondência escrita e trocada entre Jorge de Sena e Eugénio de Andrade durante 30 anos, entre 1949 e 1978. São cartas e postais, tudo transportado a troco de selos de correio. A organização deste livro, editado pela Guerra & Paz, coube a José da Cruz Santos, com o apoio de Mécia de Sena, de Isabel de Sena e de Jorge Fazenda Lourenço, um editor que trabalhou com os dois poetas que se correspondiam evidenciando uma profunda amizade. Manuel S. Fonseca, que dirige a editora, faz notar que “por estas cartas e postais passa Portugal”. E pormenoriza: ”As grandes batalhas literárias, os conflitos estéticos, o rumor pesado da Academia contra o qual Eugénio e Sena se batem, mas também a vida política, a falta de liberdade, a explosão dela no 25 de Abril, as esperanças e as frustrações que se lhe seguiram, que Eugénio, primeiro denuncia: “… a esquerda revolucionária já está a ser aproximada pelos bem pensantes do país, incluindo os comunistas, da mais sinistra reacção” e a que logo Sena responde “… revolução, que cada vez me parece mais um conluio de continuistas e de arranjistas, com alguns revolucionários parvos pelo meio, e muitos demagogos a agarrar os tachos com muita pressa…” de tudo isto há testemunho, vibrante, nestas cartas.”
VER - Esta semana, apenas sugestões fotográficas. Começo pela colecção de retratos que o pintor, artista gráfico e fotógrafo Fernando Lemos fez de amigos seus - escritores, artistas, ensaístas e actores - entre 1949 e 1952. Fernando Lemos foi uma figura destacada entre os surrealistas portugueses e cerca de seis dezenas de retratos fotográficos são agora expostos no Museu Berardo, no CCB. Intitulada “Fernando Lemos: Para um Retrato Coletivo de Portugal, no fim dos Anos 40”, a mostra pode ser vista até 31 de Dezembro. Como sublinha o comissário da exposição, Pedro Lapa, mais do que retratos de pessoas, procura mostrar o retrato de uma geração - “são retratos da solidão colectiva”. Ali se podem ver os retrato de Sophia de Mello Breyner Andresen, Adolfo Casais Monteiro, Arpad Szenes e Maria Helena Vieira da Silva, Jacinto Ramos, António Dacosta, Jorge de Sena e Mécia de Sena, Cardoso Pires, Mário Cesariny, Glicínia Quartin, Manuela Seixas e um magnífico auto-retrato do próprio Fernando Lemos, que aqui se reproduz. Fernando Lemos, hoje com 90 anos, vive no Brasil desde 1953. Outra exposição a reter é “Reverso, o Mesmo e o Outro”, onde Mariano Piçarra juntou 34 fotografias inspiradas no pensamento do filósofo José Marinho - é aliás a segunda vez que o faz - a primeira foi em 1999 com “Grave” - na Biblioteca Nacional até 21 de Janeiro. No Espaço Novo Banco, Praça Marquês de Pombal 3, pode visitar selecções do acervo da excelente Coleção de Fotografia Contemporânea que foi criada pelo BES e que depois passou para o Novo Banco. Por último Valter Vinagre apresenta “Da Natureza das Coisas” a partir deste sábado e até 18 de Dezembro, na Travessa da Ermida, em Belém.
OUVIR - Um dos mais importantes catálogos do jazz mundial, da editora Blue Note, relançou agora alguns dos seus álbuns históricos, gravados na década de 50 e 60, com um conjunto de caixas, cada uma incluindo cinco álbuns originais de um artista - o nome da colecção é “Blue Note - 5 Original Albuns”. Na caixa do saxofonista Dexter Gordon destaque para os álbuns “Doin’ Allright” e “Dexter Calling”, ambos gravados apenas em três dias, em Maio de 1961, com músicos como Freddie Hubbard, Horace Parlan e Paul Chambers, entre outros. Na caixa do saxofonista e compositor Wayne Shorter destaque para o seu primeiro disco registado para a Blue Note (ao todo gravou 11 para a etiqueta entre 1964 e 1970) - falo de “Night Dreamer”, gravado em 1964 no estúdio de Rudy Van Gelder com Lee Morgan, McCoy Tyner, Reggie Workman e Elvin Jones. Destaque ainda para as caixas dedicadas ao guitarrista Kenny Burrell, ao saxofonista Joe Henderson e ao pianista e teclista Herbie Hancock, nomeadamente para os álbuns “Inventions & Dimensions” e “Speak Like a Child”. A terminar a caixa dedicada ao baterista Art Blakey e aos seus Jazz Messengers, nomeadamente para o disco “A Night In Tunisia”, que contou com a participação de Wayne Shorter. Trata-se uma uma invulgar colecção de gravações que juntam alguns dos mais destacados músicos e compositores de jazz dessa época, numa fase especialmente criativa. Os álbuns de toda a colecção reproduzem em formato CD as capas e conteúdo dos LP’s originais. Colecção disponível em Portugal, distribuída pela Universal Music.
PROVAR - Desta vez não venho falar de um restaurante, mas de uma invulgar colecção de selos postais - trata-se de uma emissão filatélica dos CTT sobre as indústrias conserveiras portuguesas. Esta emissão tem a particularidade de a série sobre conserveiras ser apresentada dentro de uma lata de conservas especialmente serigrafada e preparada para o efeito. A fábrica “Conservas Ramirez”, fundada em 1853 e que é a mais antiga instalação industrial conserveira em funcionamento em todo o mundo, foi a parceira dos CTT nesta colecção que inclui seis selos com uma tiragem de 125.000 exemplares. Biqueirão, sardinha, cavala, atum, lula e enguia são as espécies incluídas na série, cujo design esteve a cargo de Fernando Pendão. Eu, que sou fã de conservas, fiquei deliciado com a ideia. E já agora nem compreendo porque é que em bons restaurantes portugueses não são apresentadas com maior frequência conservas como entrada ou base de um prato - como acontece com tanta frequência noutros países, a começar por Espanha.
DIXIT - “Estão a pôr ciclovias no meio das passadeiras e não devia ser permitido” - José Miguel Trigoso, Presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa
GOSTO - A Menos é Mais Arquitectos Associados e João Mendes Ribeiro estão na shortlist do prémio internacional do Royal Institute Of British Architects graças ao seu projecto do Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas, nos Açores.
NÃO GOSTO - Da política de afastamentos e nomeações de compadrio que o Ministério da Cultura está a levar a cabo e que já ditou a saída de Miguel Leal Coelho da administração do CCB, e da coordenação do seu Centro de Espectáculos, que ergueu ao longo de duas décadas.
BACK TO BASICS - A tradição deve funcionar como guia, nunca pode ser encarada como uma limitação - W. Somerset Maugham
OUTRAS ELEIÇÕES - Se pensam que a única campanha que está a decorrer é a das Presidenciais, estão muito enganados. Por numerosas escolas deste país decorrem campanhas eleitorais para as respectivas Associações de Estudantes. Circunstâncias familiares levaram-me a ter contacto com uma delas, no caso as eleições para a Associação de Estudantes do Colégio Moderno, em Lisboa. A coisa que mais me surpreendeu, pela positiva, foi como estas eleições, as primeiras em que muitos são chamados a votar, são encaradas como um incentivo à participação das pessoas em processos de decisão. A minha neta mais velha explicou-me que o Colégio acompanha e incentiva o processo eleitoral, ajuda que se promovam debates entre as listas e que os alunos percebam bem a diferença entre elas; e a irmã, mais nova, fez-me saber que nos boletins de voto não se deviam desenhar corações nem smiles ou deixar outros escritos, mas apenas fazer a cruzinha no sítio certo, para que o voto não seja anulado. As diversas listas têm manifestos eleitorais bem construídos, na maioria com reivindicações adequadas à situação, que vão da prática desportiva à rádio interna da escola. Uma das listas, ecologista, defende que se use mais papel reciclado, por exemplo nos testes. Várias apresentam, nos seus folhetos de propaganda, as indicações das contas de facebook, instagram e snapchat onde as respectivas actividades de campanha podem ser seguidas - e estão assim anos luz mais avançadas que vários candidatos presidenciais. Mas o ponto essencial é este: estas eleições não são encaradas como apenas uma disputa, mas como uma aprendizagem da importância da participação das pessoas na vida colectiva. Espero que a percentagem de abstenções na escola seja baixa e que os alunos vão votar - e ainda acalento a esperança que os candidatos das outras eleições, as presidenciais, percebam que os seus discursos e as suas acções ignoram e deixam de lado o segmento daqueles que agora têm entre 18 e os 25 anos, os que nasceram na última década do milénio passado e já cresceram a ver o mundo de maneira digital. Mas na maioria dos casos o que vejo é a réplica do que passa nas televisões, nas rádios e nos jornais, com uma forma de comunicação que não os cativa. A maioria dos candidatos presidenciais comunicam para os que já estão convertidos, não dão um passo para procurar que novos eleitores votem. E isto faz-me muita impressão. Depois não digam que a abstenção é um problema.
SEMANADA - Os filmes portugueses estreados em 2015 foram vistos por 904 mil espectadores, o valor mais elevado desde 1975; ao longo do ano passado registaram-se 14,5 milhões de espectadores nas salas de cinema de todo o país; em Portugal a escuta de música em streaming cresceu 60% em 2015; os pilotos de aviação alertam para o perigo de haver maior numero de pássaros na segunda circular, nas imediações do aeroporto, se o plano de arborização do local fôr para a frente; a Comissão Europeia exigiu que os activos problemáticos do Banif sofressem uma desvalorização de 66%, contra os 50% propostos pelas autoridades nacionais, agravando assim o prejuízo do banco em 400 milhões de euros; em oito anos o Estado injetou dinheiros públicos em sete bancos; as ajudas do Estado a bancos portugueses já superaram o montante do resgate da troika; o petróleo desceu esta semana abaixo dos 30 dólares por barril; de Janeiro de 2015 até agora o petróleo caíu 31,6% mas a gasolina subiu 3%; a Bolsa de Lisboa teve nesta semana o pior ciclo de quedas desde 2011; até 2025 estima-se que 26% das oportunidades de emprego sejam na agricultura; um estudo recente aponta que os doentes que são internados de urgência num hospital ao fim de semana têm um risco de morte mais elevado; CGTP, PCP e BE reivindicam semana de 35 horas também para o sector privado e ameaçam o seu Governo de Costa com uma greve geral; Francisco Louçã tomou posse como Conselheiro de Estado.
ARCO DA VELHA - Segundo o jornal “i”, o cirurgião Eduardo Barroso terá vetado a primeira escolha do Ministro da Saúde, levando-o a desconvidar os novos responsáveis hospitalares da região de Lisboa que tinham sido inicialmente convidados por aquele membro do Governo e que desagradavam ao cirurgião.
FOLHEAR - Um dos livros que ultimamente entrou no meu dia-a-dia é “A Dieta Ideal - receitas familiares e saborosas”, de Francisco José Viegas. Conhece-se a devoção do autor à boa cozinha portuguesa, a sua escolha de restaurantes que a praticam, mas também o prazer que tem em cozinhar para amigos. São receitas dessas incursões na cozinha que aqui estão, explicadas de maneira simples, a maioria de origem nacional a evocar sabores e tradições familiares, mas também umas quantas de inspiração estrangeira, sobretudo italiana. A sua actividade como crítico de restaurantes valeu-lhe um prémio da Academia Portuguesa de Gastronomia e a sua actividade de escritor levou a que um dos heróis dos seus policiais se deliciasse também com petiscos. Desde ervilhas com ovos, ao cozido à portuguesa, passando pelo empadão de carne, um arroz de romã com frango de escabeche (os arrozes são uma das perdições do autor…), um cuscuz com salmão fumado e legumes ou ainda uma massa com feijão, até uns ovos rotos com azeite de trufa, aqui se encontram receitas para todas as ocasiões, seja de entradas ou pratos principais. A culinária, diz o autor na introdução do livro, é uma invenção decisiva da nossa civilização. Esta “Dieta Ideal” fez-me lembrar um dos livros que também consulto com regularidade - “The Family Meal, home cooking with Ferran Adriá”, o livro onde o Chef do extinto El Bulli relatava os cozinhados que eram feitos diariamente para a equipa do seu restaurante, destinados à refeição partilhada por toda a equipa - com zero molecular e muita tradição. Com livros assim nem apetece ir comer fora.
VER - Esta semana tive a sorte de ver duas exposições que me marcaram. A primeira é uma surpreendente mostra de pinturas de Rui Sanches, que tem tido essencialmente uma actividade regular, e marcante, na área da escultura. Estas obras, a que chamou “suite alentejana”, numa referência ao atelier onde as trabalhou e que fica na sua casa no Alentejo, foram inicialmente expostas no Porto, em 2013, na Galeria Fernando Santos, e chegam agora a Lisboa, ao espaço da Fundação Portuguesa das Comunicações, por iniciativa da Giefarte, até 12 de Março (Rua do Instituto Industrial 16). A utilização da côr, a criação de um espaço a duas dimensões bem diferente daquilo a que as suas esculturas remetem são elementos dessa surpresa (ver imagem no início desta coluna). A outra exposição é um conjunto de trabalhos em papel de José Pedro Croft, que está na Galeria João Esteves de Oliveira até 11 de Março (Rua Ivens 38). São cerca de três dezenas de obras, entre originais e múltiplos de pequena tiragem, sob o título genérico “Espaços de Configuração” (na imagem). Estes trabalhos, aparentemente simples, são uma prova de que é precisamente na simplicidade que melhor se distingue o poder da criatividade - mesmo quando baseada em coisas tão elementares como linhas, formas, volumes. E, claro, com uma cuidadosa utilização dessa distração que pode ser a côr.
OUVIR - Sinto-me um pouco vampiro a escolher para disco da semana “Blackstar”, a derradeira obra de David Bowie - até porque o essencial do que havia a dizer foi bem escrito neste jornal por Fernando Sobral. Mas, independentemente da evidência, hoje incontornável, de que o álbum foi pensado e produzido como uma carta de despedida, ele é sobretudo um testamento artístico - a indicação do caminho musical que Bowie achava interessante explorar. É curioso porque há aspectos do disco que fazem lembrar alguns pontos do início da sua carreira, nomeadamente nos arranjos e na utilização do saxofone, particularmente em “Tis a pity she’s a whore”. Mas é curioso também observar a diferença entre a edição original em single do tema “Sue (or the season of crime)”, lançado em 2104, com a nova versão, bem diferente , incluída no álbum - muito mais elaborada e homogénea, e que abre pistas sobre a forma como ele via a evolução da sua música. Um ponto importante do disco é a própria escolha do núcleo musical, o trio de Donny McCaslin, saxofonista e um importante músico de jazz de Nova Iorque, que Bowie conheceu através da sua amiga, igualmente música de jazz, Maria Schneider - que também tem uma participação no disco e que foi, sabe-se agora, uma conselheira musical regular de Bowie nos últimos tempos. A intensidade e originalidade do disco, independentemente do dramatismo das suas circunstâncias, evoca o período em que Bowie e Eno colaboraram em Berlim. “Blackstar” afasta-se do pop, larga amarras no jazz e mesmo a faixa mais tradicional, digamos, “Girl Loves Me”, sai da sua zona de conforto. Para além da simbologia de “Lazarus”, ou da mensagem de preocupação com o estado do mundo da faixa-título de abertura, estou em crer que é na derradeira canção, “I Can’t Give Everything Away”, na forma como ela foi escrita, construída e cantada, que está verdadeiramente o recado de Bowie: “Saying no but meaning yes, this is all I ever meant, that’s the message that I sent”.
DIXIT - “A higiene na Roma antiga não evitou as lombrigas e outros parasitas” - título de um artigo do “Público”.
GOSTO - A livraria Lello, do Porto, que celebrou esta semana 110 anos de existência e que nos últimos seis meses vendeu uma média diária de 512 livros.
NÃO GOSTO - O novo Ministro da Educação mudou todo o sistema de avaliação depois de já ter passado um período escolar e sem antes dialogar com representantes dos pais ou das direcções das escolas.
BACK TO BASICS - “À medida que envelhecemos tudo se resume a duas ou três questões: quanto tempo nos resta, o que é que vamos fazer e como o faremos” - David Bowie
As estatísticas são o que são e podem ter sempre várias leituras, mas é difícil convencerem-me que este número pode ter várias interpretações: 43% dos crimes por corrupção envolvem câmaras municipais – e as muitas centenas de investigações realizadas vão desde turismo sexual patrocinado, até ao lançamento de concurso público depois de uma obra já estar feita. É certo que o justo não pode ser confundido com o pecador, mas a verdade é que o peso das autarquias no esbanjamento do dinheiro público, como também várias estatísticas demonstram, é enorme. Todos conhecemos os casos das rotundas, e é raro o mês que não ouço falar de um equipamento que foi construído algures mas que está vazio porque a ânsia de fazer obra foi maior que a de acautelar o seu uso futuro.
Nos últimos dias tenho visto boas reportagens sobre o estado da nação, sobre a forma como as autarquias são geridas – e chego à conclusão que muitas Câmaras são um problema que vai de funcionários a mais a eficiência a menos, passando por dívida incomportável. Aquilo que se fez no país em matéria de esbanjamento, replicou-se a nível local e esse fardo ainda o vamos carregar durante anos. Mas ao mesmo tempo que vejo o inacreditável acontecer em muitos municípios, percebo que nas juntas de freguesia a realidade é bem diferente. As juntas fazem um trabalho de proximidade, muitas funcionam exemplarmente, desempenham funções e apoios à população para além daquilo que era esperado. Sobretudo nas zonas rurais prestam serviços que mais ninguém fornece e são tanto mais importantes quanto a desertificação do interior aumenta. Quanto mais penso no assunto, mais acho que a reforma do Estado tem que passar por aumentar a proximidade e não cavar novas distâncias.
(publicado na edição de hoje do diário Metro)
CIDADES - Infelizmente não vejo nenhum candidato a Lisboa dizer que defende uma cidade mais confortável e amigável para os que cá vivem e cá pagam impostos. Nestas autárquicas, or esse país fora, vejo muitas proclamações generalistas mas poucas propostas concretas. A propósito, em boa hora chegou-me às mãos um belíssimo trabalho da consultora McKinsey, na sua newsletter mensal, de Setembro, que tem por tema “How To Make Cities Great”. Com a devida vénia reproduzo de seguida algumas ideias que retive deste estudo da McKinsey, que devia ser leitura obrigatória para os candidatos autárquicos sérios - eu sei, a expressão é quase um paradoxo nos tempos que correm. Pois bem, actualmente metade dos habitantes mundiais, 3.6 mil milhões de pessoas, vive em cidades e, em 2030, esse número deve atingir os 5 mil milhões - as cidades vão crescer ainda mais e serão o principal factor de crescimento económico e de produtividade - e, também, o maior território de consumo. Por isso são encaradas como o palco do desenvolvimento e da transformação dos paises. Na governação de uma cidade, sublinha o estudo, há três mandamentos: conseguir um crescimento inteligente, fazer mais com menos, e conseguir ganhar o apoio da população, e dos funcionários da cidade, para a mudança. Este programa ambicioso implica mais oportunidades para todos, melhor aproveitamento da tecnologia, um pensamento ambiental permanente, a procura ativa e produtiva de consensos com habitantes e com os negócios locais e uma cultura de responsabilidade nas equipas que dirigem as cidades. Claro que é preciso identificar clusters competitivos, criar centros de inovação, acolher universidades de ponta, ter bons transportes, garantir a segurança e facilidade na mobilidade. Mas é também preciso fazer uma formação intensiva nos funcionários dos municípios, estudar os melhores exemplos de como outras cidades atraíram investimentos. No fundo - e esta parte é tão desprezada entre nós - é fundamental perceber que as cidades têm que fornecer serviços aos seus clientes. E os clientes das cidades são as empresas que as escolhem e as pessoas que lá vivem. Isto implica não ser precipitado, ter objectivos de longo prazo, ter noção das necessidades de pessoas e empresas, assumir procupações ambientais de forma realista, o que quer dizer diminuir as emissões de carbono e, portanto, ter cuidado com a congestão de tráfego, ter consciência da realidade da vida das pessoas e não operar por decreto de cima para baixo. Tudo se resume a criar condições para que as pessoas vivam dentro da cidade, preocupar-se mais com a rede interna de trasnportes e a circulação interna do que com o acesso de quem vem de fora. Tudo isto pode parecer utópico - mas a McKinsey explica como as cidades que melhor prosperaram passaram por este caminho.
SEMANADA - Um estudo do Banco de Portugal indica que uma em cada cinco empresas gostaria de cortar salários; o sector da construção perde 198 empregos por dia; o preço médio das casas em Espanha caíu 38,6% desde 2007; em Espanha as dívidas das seis maiores empresas construtoras ultrapassam os 40 mil milhões de euros; o crédito malparado em Portugal atingiu o valor de 17 mil milhões de euros no final de Julho, um valor recorde; 66 cursos do ensino superior não tiveram nenhum candidato na primeira fase das inscrições e outros 48 cursos registaram apenas uma inscrição; no primeiro semestre deste ano as vendas de smartphones em Portugal ultrapassaram pela primeira vez as de telemóveis tradicionais; em Portugal as vendas de antidepressivos e ansiolíticos continuam a aumentar; estimativas apontam para a existência nos cadernos eleitorais de um milhão de eleitores fantasmas. já falecidos ou emigrados, num total de 9,4 milhões; o património imobiliário dos partidos políticos soma mais de 20 milhões de euros com o PCP a liderar com 13 milhões, seguido do PS com 7,7 e do PSD com 6 milhões - e nenhum paga IMI; aos 21 anos cerca de 18% dos jovens já agrediram namorado, 64% já se embriagaram e 34% já tiveram um acidente; o PS conseguiu dizer, primeiro que o Bloco de Esquerda, que votará contra o Orçamento, antes mesmo de o conhecer; slogans da semana: “Cabeçudo, por ti, tudo!” e “ser tripeiro é um mundo”.
ARCO DA VELHA - Estou para ver se os comentadores televisivos que se candidatam nas próximas eleições autárquicas vão permanecer em ecrã durante a campanha e que diz a sapiente Comissão Nacional de Eleições sobre o assunto.
VER - Esta é uma semana abundante em recomendações. Em Lisboa abre a Trienal de Arquitectura - no MUDE, na Rua Augusta, e no Carpe Diem, na Rua do Século, há espaços que vale a pena visitar. Por falar em arquitectura, no CCB, no espaço Garagem Sul, abriu uma imperdível exposição do arquitecto japonês Sou Fujimoto, “Futurospective Arquitecture”, concebida pelo próprio. Outras ideias: na Fundação EDP, Museu da Electricidade, inaugurou “Stop Making Sense”, uma exposição da artista plástica Mariana Gomes. Ainda em Lisboa decorrem hoje, sexta, e amanhã, sábado, as Noites de São Bento, um bom pretexto para visitar na Galeria São Roque a “Exaltação da Sombra” de Lourdes Castro. E finalmente, na Fundação D. Luis I, no Centro Cultural de Cascais, inaugurou uma exposição com curadoria de Luis Serpa, “Manta, Retratos de Família”, que agrupa obras de Abel Manta, da sua mulher Clementina Carneiro de Moura Manta, do seu filho João Abel Manta, e da sua neta Isabel Manta. E, para terminar com fotografia, A Pequena Galeria, na 24 de Julho, retoma o Salão Lisboa a partir de dia 19. Não há falta de boas coisas para ver. E ver, como dizia o outro, é meio caminho andado para aprender.
OUVIR- Nestes tempos Madonna parece como que apenas uma discreta virgem, quando comparada com as travessuras de replicantes como Miley Cirus. E no entanto, como vem provando desde os anos 80, é bem mais consistente que os sucedâneos entretanto surgidos. A sua digressão de 2012, “MDNA World Tour” teve 88 concertos e as receitas de bilheteira ultrapassaram os 300 milhões de dolares em todo o mundo - tornando esta a digressão que mais receita produziu no ano passado. A concepção do espectáculo, bem diferente de digressões anteriores da artista, foi descrita por Madonna como “a viagem espiritual da escuridão para a luz” e incluía três partes - a profecia, o masculino/feminino em que se reproduzia um ambiente de cabaret e eram interpretadas algumas das canções mais marcantes da sua carreira, e a redenção, cenografada como uma grande festa. A digressão foi cuidadosamente gravada e filmada - o resultado é um duplo CD e um DVD, já disponíveis em Portugal. A edição de imagem, algum material de bastidores, a montagem, tornam o DVD uma peça bem diferente do simple registo de um concerto. Desde os pormenores das coreografias aos cenários, passando pela actuação da cantora, o DVD do MDNA Tour é uma peça que testemunha a criatividade e o talento de Madonna e a forma como ela concebe o espectáculo. (CD e DVD Interscope/Universal).
FOLHEAR - A edição de Setembro da “Monocle” tem por tema o empreendedorismo e está recheada de exemplos de uma nova geração que procura negócios fora do comum ou que se dedica a recuperar velhas tradições e a torná-las rentáveis. Sob o lema “Do Your Own Thing”, a revista guia os leitores, através de exemplos, no processo de como escolher e iniciar o negócio, como gerir de forma moderna e eficiente e, finalmente, como conseguir negociar e estabelecer parcerias que ajudem a empresa a crescer. Tudo é acompanhado do relato de numerosos casos de sucesso um pouco por todo o mundo. Há outros temas de interesse, desde a renovação urbana como factor de desenvolvimento de negócios locais até à forma como as universidades de Vancouver, Aarhus na Dinamarca ou Tóquio estão a mudar o conceito e a forma dos seus MBAs, para melhorar prepararem os seus alunos - e o exemplo de Aarhus é particularmente interessante e bem que podia ser seguido por algumas escolas portuguesas.
PROVAR - Uma das cervejarias emblemáticas da Avenida de Roma nos anos 70 e 80, “O Pote”, é agora um restaurante familiar e sossegado, bem longe das noites animadas que durante anos acolheu. Ao longo do seu meio século de história, acolheu tertúlias e a sua esplanada era ponto de encontro garantido. Aberto todos os dias, O Pote tem uma cozinha que não engana, baseada em valores seguros da culinária portuguesa - o destaque vai para o arroz de polvo, a carne de porco frita com açorda e, por exemplo, o clássico pica-pau do lombo. Os preços são justos, as doses generosas e o serviço é familiar e acolhedor. Está aberto todos os dias, mesmo no Domingo ao jantar, o que vai sendo raridade, e-dispõe de uma sala para fumadores. Fica no nº7 da Avenida João XXI e o telefone é o 218486397. Para mais informações ver opoterestaurante.com .
DIXIT - “Portugal é um país congelado - com o Governo e o PS a lutarem pelo papel do capitão Iglo” - Fernando Sobral, aqui no “Negócios”.
GOSTO - Da nova estratégia de produtos da Apple
NÃO GOSTO - Da posição da ERC sobre a cobertura das eleições, que contraria a liberdade editorial
BACK TO BASICS - A imaginação é mais importante que o conhecimento - Albert Einstein
Para que serve um voto nas autárquicas? Basicamente para ver se as cidades, vilas e freguesias onde vivemos ficam mais apetecíveis para todos nós, se ficam mais confortáveis para o dia-a-dia, se os órgãos autárquicos nos ajudam em vez de nos atrapalharem, se existe uma acção social capaz, se é estimulada de alguma forma a criação de emprego e o desenvolvimento económico e social.
Portanto este é o momento exacto para pensar: estes que lá estão há quatro anos facilitaram-me a vida ou infernizaram-me a cabeça? Gastaram bem o dinheiro dos nossos impostos ou andaram a desperdiçá-lo em manias? Têm noção do que é a vida hoje em dia e querem ajudar, ou vivem numa qualquer utopia e querem dificultar?
Os que lá estão há quatro anos, que fizeram pela limpeza das ruas, pela segurança, pela recuperação e conservação? E os pavimentos das estradas – foram só arranjados em véspera de eleições, ou são regularmente conservados e mantidos para que existam menos acidentes e se causem menos prejuízos ao veículos?
Se cada um de nós pensar desta forma, poderá fazer um juízo rápido sobrem que dirigiu a sua câmara e a sua freguesia. Será que vale a pena continuarem estes, ou é melhor escolher outros? Nestas eleições os programas partidários contam menos que a capacidade das pessoas. Eu, na minha Câmara e na minha Freguesia, quero quem me ajude, não quero quem me dificulte a vida, quero quem empregue bem o dinheiro sem ser em obras incompreensíveis, quero quem me ajuda a poupar, em vez de me meter mais multas e limitações em cima.
Eu, onde voto, preocupo-me mais com o que fizeram ao meu dia a dia do que com aquilo que fizeram para os visitantes e forasteiros. Quero quem cuide de cá vive em vez de quem cuide de fazer show off.
(Publicado na edição de hoje do diário METRO)
As próximas eleições autárquicas estão a revelar-se um repositório de lugares comuns. Os cartazes então são cada vez mais confrangedores. Ainda não vi um com uma ideia, apenas vejo um rol de banalidades, não se vislumbra uma proposta política. Em Lisboa a coisa é terrível – começa por Seara que tem por lema “Em Lisboa Com Os Dois Pés”. Por muito que me esforce não consigo traduzir isto em medidas concretas – será que pretende distribuir pontapés pela cidade fora? António Costa não é muito melhor – “Juntos Fazemos Lisboa” não quer dizer nada a não ser que deve estar contente com o que fez ao Marquês do Pombal e à Avenida da Liberdade e que se propõe continuar a fazer mais do mesmo. Até o Bloco de Esquerda abdicou da política e de propostas para se limitar a dizer “Queremos Lisboa”, uma coisa que fica sempre bem mas que não quer dizer mesmo nada. Desta vez nem a CDU escapa com o seu vaguíssimo “Cidade Para Todos”.
Mas não se pense que isto só acontece em Lisboa. O belíssimo e educativo blogue imagensdecampanha.blogs.sapo.pt recolhe pérolas como “Esperança no Futuro” para a candidatura do PS no Montijo ou “Juntos pelo Montijo”, para a candidatura do PSD. Em Constância o PS proclama “Juntos Vamos Mudar Constância” e o PSD diz “Mais Juventude, Mais Futuro”. Também gosto muito do slogan do PS “Mudar o Porto” (será para Gaia?), acho curioso o do PS em Loulé “Ninguém Ficará para Trás” e parecem-me muito criativos estes do PSD - “Afirmar Amarante” e “Por Angra”.
Mas pior que tudo é a mania de adaptar músicas para hinos de campanha sem autorização dos autores. Cá para mim candidatos que usurpam direitos de autor deviam ser impedidos de se candidatarem – estão a usar o que não é seu com desplante e descaramento.
RESUMO DA SEMANA – A Ministra da Saúde inaugurou um hospital em Seia mas as camas dos doentes da unidade de cuidados continuados foram retiradas no dia seguinte porque eram apenas cenário para a fotos e tv; o preço do petróleo varia sempre mais que o respectivo reflexo no preço dos combustíveis; a política fiscal do Governo continua a privilegiar aumentar impostos a quem trabalha por conta de outrem em vez de combater a grande evasão fiscal; multiplicam-se nos últimos dias incidentes de espancamentos violentos e assassinatos em diversos pontos do país; a investigação do caso Freeport foi suspensa até às eleições; o caso Casa Pia continua sem evoluir.
DEBATES - Alguma coisa está mal nos debates políticos pré-eleitorais na TV. As negociações são tão apertadas, os temas a abordar são tão escrutinados e acordados que se perde muita espontaneidade. Nem vou falar do facto de o cenário ser sempre igual em todos os cenários – por si só isso é uma coisa impositiva, autoritária – um «diktat» visual que formata tudo por igual – os canais perdem identidade e é sublinhado o estatuto de suprema autoridade dos partidos. Este é um mau método, que tem provocado debates tristes e pobres, pouco mais que maratonas de promessas e chicanas de argumentos, mas pouca discussão de ideias. Na verdade o processo que levou a estes debates é um espelho do mau funcionamento do actual sistema político e da distância dos partidos em relação à sociedade. Construíram um altar cercado por espelhos e só gostam de se ver nessa posição.
TVI - O que se passou na TVI mostra duas coisas: o Primeiro-Ministro gastou bastante tempo, durante os últimos meses, a atacar a informação da TVI e sobretudo o Jornal Nacional de sexta e as suas queixas acabaram por dar efeito. Quando a dona da estação, uma empresa espanhola historicamente conotada com o PSOE, interveio exactamente nos pontos que eram a queixa principal de José Sócrates, é legítimo pensar em condicionamento político grave da informação. O resto é paisagem e o facto de o PS se querer armar em vítima de conspirações neste caso pode apenas ser entendido como a repetição das justificações, métodos e argumentos de Hugo Chávez em relação à Comunicação na Venezuela.
CITAÇÃO DA SEMANA - Mário Soares continua a manter, um pouco para além do normal prazo de validade que o bom senso recomenda existir, a sua prática de opinar sobre o país. A citação da semana pertence-lhe: «José Sócartes aprendeu muito com a crise, está mais socialista».
EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO - A um mês de eleições autárquicas o executivo de António Costa agendou uma maratona de votações sobre questões estratégicas para o futuro da cidade, do Parque Mayer a Alcântara. Das 32 propostas apresentadas 19 eram assinadas por Manuel Salgado, e, destas, 15, continham alterações urbanísticas importantes. Chegar a um mês de eleições com tantos projectos para apreciar e votar à pressa é muito mau sinal, numa altura em que o bom senso ético recomendaria que o executivo camarário se remetesse à gestão corrente dos assuntos da autarquia. Mas dois anos sem obra feita acabam por levar a que este episódio tenha uma sensação de desesperada procura do tempo perdido.
ESTACIONAR - A EMEL, a empresa que persegue os lisboetas sem conseguir resolver os estacionamentos em segunda fila, e que se tornou um caso relevante de arrogância e ineficácia na relação com os munícipes, resolveu fazer uma campanha publicitária para assinalar os seus 15 anos de vida. O slogan, certamente criado por um humorista frustrado, é: «há 15 anos que a EMEL trabalha para que ninguém estacione a sua vida». Qualquer habitante de Lisboa, automobilista, sabe que isto não é verdade. E deixo aqui um desafio à EMEL: que consiga atingir um padrão de qualidade que garanta que no prazo máximo de 30 minutos sobre a recepção do pedido de desbloqueamento, o consiga concretizar ou indicar a hora a que poderá ser feito. É que casos de duas e mais horas de espera são vários, com um call-center ineficaz que não dá respostas aos utentes e equipas de rua que são o espelho da empresa: prepotentes e arrogantes.
VISITAR - Já aqui tenho sido crítico de muitas actuações do Ministério da Cultura, mas esta semana destaco uma boa medida – a criação do Portal da Cultura (www.culturaonline.pt). Espero que mantenha a qualidade dos dias de estreia, que mantenha a informação diversificada e actualizada e, já agora, espero que os seus responsáveis saibam que não basta fazer um portal assim – é preciso fazer a sua divulgação, publicitá-lo, garantir que existam links noutros sites, e, sobretudo, utilizar a publicidade digital para chegar aos potenciais utilizadores desta boa fonte de informação. Se assim não fôr ficará pelas notícias de inauguração e perderá a oportunidade de se tornar num sítio de referência da internet em relação à agenda e notícias da área cultural.
AGITAR - O pintor João Vieira, um dos nomes grandes das artes plásticas portuguesas, morreu na semana passada. Chocou-me o pouco destaque dado à notícia da sua morte nos principais jornais. João Vieira integrou , em Paris, no final da década de 50 e início da de 60, o grupo KWY, que além de alguns outros portugueses como Lourdes Castro, René Bertholo, Gonçalo Duarte e José Escada, juntava Jan Voss e Christo, o artista que nas duas últimas décadas se distinguiu por algumas instalações gigantes um pouco por todo o mundo. Mas João Vieira tinha uma outra faceta escondida que felizmente registou em 2008 – apreciador de música gravou o disco «La Vida Es Un Bolero», uma deliciosa e divertida gravação que auto-editou e distribuía pelos amigos. Há uns anos tive ocasião de o conhecer melhor e entrevistar para um documentário, «Pinto Quadros Por Letras», que dirigi e que a RTP 2 re-exibiu no dia da sua morte. Desde aí íamos mantendo algum contacto, às vezes com amigos comuns. Há uns três meses fomos almoçar, ele ofereceu-me um desses discos e, no meio de algum desgosto por não conseguir montar em Lisboa uma retrospectiva da sua obra, deu-me conta de um projecto em que andava a matutar: lançar pelas águas, aqui em Lisboa, as três letras, gigantes, da palavra MAR, que tinha em tempos feito. Como sempre, o João queria continuar a agitar as águas e permanecia deliciosamente irrequieto.
REGISTO DE INTERESSE – Sou cabeça da lista para a Assembleias Municipal de Lisboa proposta por Pedro Santana Lopes. Espero que a coligação «Lisboa Com Sentido» vença estas eleições, na Câmara, na Assembleia Municipal e nas Juntas de Freguesia. Dito isto, se o Director quiser, continuarei a falar do que aqui sempre tenho falado – a ERC não tem muito que se lamuriar – quer Baptista-Bastos, quer Leonel Moura são rapazes para me fazerem boa oposição e alto contraditório.
CAMPANHA – António Costa é que devia ligar um pouco às recomendações pluralistas básicas da ética republicana – pegou em 1,6 milhões de euros do orçamento camarário e montou uma festa permanente no Parque Mayer, que é uma bela oportunidade de auto-propaganda. Por um daqueles acasos do destino o programa da propaganda festeira vai exactamente até 11 de Outubro, o dia das autárquicas. Mais conveniente era difícil.
DARTH VADER – A invasão da política portuguesa pela saga da Guerra das Estrelas e pela figura de Darth Vader é o caso do Verão – uma acção bem humorada, com base numa das mais activas e antigas equipa de bloggers – do 31 da Armada - conseguiu fazer com que o vereador Manuel Salgado se metesse numa embrulhada sobre a segurança, ridicularizou o aparelho da Câmara, que se apressou a chamar a polícia para prender os inssurectos quando estes foram devolver, limpa e arranjada, a bandeira da autarquia, que havia sido substituída no varandim dos Paços do Concelho pela bandeira monárquica azul e branca – uma outra forma de assinalar o centenário da República, mais divertida, inofensiva e barata que os atropelos cometidos no Terreiro do Paço. Para cúmulo do ridículo a máscara de Darth Vader foi apreendida pelos investigadores como importante prova do processo – a gastar energias e recursos com casos de humor, como hão-de as polícias conseguir combater os casos de crime ?
SILLY SEASON I– Este ano PS e PSD resolveram fazer blogues partidários com as próximas legislativas na mira. Os nomes são bem humorados – «Simplex» do lado do PS (www.simplex.blogs.sapo.pt) ,«Jamais» do lado do PSD (www.jamais.blogs.sapo.pt). Ambos reúnem nomes sonantes de um e outro lado, com José Pacheco Pereira no «Jamais» a comentar a actualidade política como há algum tempo não fazia no seu »Abrupto». De certa forma estas são as versões modernas, mais livres e desabridas, do «Acção Socialista» e do «Povo Livre» - infelizmente bastante previsíveis portanto – um diz mal do outro e por aí adiante. Tudo estava assim quando João Galamba, do «Simplex» insultou em vérnaculo puro e duro João Gonçalves do «Jamais» - o que parace comprovar que do lado do PS o exemplo do argumento chifrudo de Manuel Pinho na Assembleia da República ganhou novos adeptos. Cada um fica com os actos que pratica e ao PS já ninguém tira a fama de perder as estribeiras com facilidade.
SILLY SEASON II – Sócrates reduziu a actividade política a visitar, anunciar, inaugurar e intrigar. Governar deixou de existir. Até às eleições isto promete…
EXEMPLAR - O New York Times dedicou um extenso artigo na sua edição de terça-feira passada às investigações de uma equipa da Universidade do Minho, liderada por Nuno de Sousa, sobre o stress e as alterações de comportamento que ele induz. O artigo do diário norte-americano reproduzia excertos do artigo de Nuno de Sousa para a revista «Science». Se quiserem ler o New York Times vão aqui: http://bit.ly/3C3Kv5 .
PETISCAR – Quando se vai à praia o objectivo, regra geral, é descontrair e descansar. Não há portanto razão para que uma ida a um bar ou restaurante de praia seja uma canseira; não há razão, mas muita vez isso acontece mesmo. Felizmente não é o que se passa em Alfarim no restaurante Onda Azul. O Onda Azul é injustamente subalternizado pelo mais conhecido Bar do Peixe, mas cá para mim até anda melhor, sobretudo no petisco. A salada de polvo é muito melhor no Onda Azul e umas cadelinhas e uns mexilhões que experimentei estavam absolutamente irrepreensíveis. Serviço rápido., simpático, um óptimo pão de uma localidade ali perto, Caixas, bem cozido, estaladiço, miolo denso, bom para ensopar no molho dos mexilhões. Ainda por cima preços comedidos e imperial bem fresca.
OUVIR – Banda sonora oficial do verão (ainda válida até finais de Setembro) – a nova colectânea «!Salsa! » da Putumayo, uma editora especializada em World Music dançável, assumidamente pop e divertida. Aqui estão alguns clássicos interpretados por grupos como o do colombiano Diego Galé, do mexicano Poncho Sanchez, do cubano Chico Alvarez ou do americano Eddie Palmieri, entre outros. As capas da Putumayo são sempre fantásticas e coloridas, os alinhamentos são pensados para divertir quem ouve – esta é das minhas editoras preferidas, felizmente a FNAC tem geralmente uma boa selecção das suas edições.
LER – De Peter Carey havia lido há pouco um genial relato de uma viagem ao Japão, «O Japão é Um Lugar Estranho». Quando este novo livro apareceu aí fui eu comprá-lo e dou por muito empregue o dinheiro que paguei por «Roubo – Uma História de Amor». A escrita de Carey, já sabia, é arrebatadora; mas um romance é muito diferente de um relato de viagem, e aqui Carey dá largas à sua imaginação delirante, com um enredo onde as situações inesperadas se sucedem. «Roubo – Uma História de Amor» é um romance divertido, com a acção a decorrer a um ritmo empolgante, com situações francamente inesperadas que se sucedem . É irresistível e prende a atenção do princípio ao fim das suas 300 e poucas páginas.
BACK TO BASICS – A verdadeira vida de uma pessoa é, frequentemente, a que ela não comanda (Oscar Wilde).
POLÍTICA – À medida que a campanha eleitoral avança começa a perceber-se que, com elevada probabilidade, não vai existir nenhuma maioria natural nas legislativas. Portanto vai ser preciso fazer alianças, compromissos, negociações. Não deixa de ser curioso, neste contexto, verificar que António Capucho, Conselheiro de Estado, disse há dias, preto no branco, que «o bloco central não tem nada de pecaminoso». E não deixa de ser também curioso ver que Morais Sarmento é o número 2 da lista de Lisboa do PSD. No cenário de serem chamados ao Governo outras figuras que não os líderes partidários em exercício, é uma nomeação interessante.
LISBOA, CONTAS – A questão das contas de Lisboa tem um pano de fundo que convém reter – com as receitas fiscais da autarquia a caírem (por numerosas razões), falar de deficit é pura demagogia. Só por ser a capital do país, Lisboa tem custos estruturais – até aqueles que advêem da entrada de milhares de pessoas/dia na cidade, vindas da periferia – superiores ao de outras autarquias. É urgente uma revisão do Código Administrativo que coloque a gestão da capital numa perspectiva realista. A Câmara Municipal de Lisboa não pode ser penalizada e é-o há anos. É de soluções de futuro que interessa falar e não apenas de problemas do passado, que aliás tocam a todos. Para termos uma cidade diferente é necessário uma atitude diferente. Velhos do Restelo nunca trouxeram nada de bom.
LISBOA, TRÂNSITO – As decisões sobre o trânsito de Lisboa não podem andar ao sabor dos caprichos nem podem ter variações estratégicas súbitas, sob pena de causarem um enorme desconforto à cidade. Vejamos: há cerca de dez anos, João Soares, face à Expo e aos planos para Alcântara, resolveu, e provavelmente bem, que a ligação Expo-centro-Alcântara, era uma prioridade se existia a intenção de tornar a parte oriental de Lisboa num novo pólo de urbanização. Uma década depois não é justo que António Costa penalize quem lá comprou casa, impondo severas limitações ao acesso ao centro e à zona ocidental de Lisboa. Recordo: João Soares, com o apoio de Mega Ferreira na Expo, construíu uma avenida ribeirinha larga, com viadutos, que fez dinamizar toda a zona de Santa Aoplónia, Beato e Expo. António Costa, agora, estrangula tudo na Ribeira das Naus, tornando um martírio a circulação nesse eixo antes considerado prioritário. Ainda por cima passou o trânsito dos autocarros para um dos topos, o norte, do Terreiro do Paço, comprometendo a única esplanada fixa que existe na praça e que de repente ficou num corredor de «Bus» – o Martinho da Arcada. No meio disto o responsável do trânsito da Câmara diz que não fazia ideia do número de autocarros que, por via das alterações, ali iria começar a circular. Isto não é sério, nem decente e muito menos agradável para quem vive em Lisboa. Ao contrário do que se apregoa o estrangulamento atinge quem vive na cidade e não quem vem de fora.
COMIDAS – Alguns chefes de cozinha portugueses parece que perdem a mão quando acham que já ganharam o estatuto de estrelas. Não sei se é por atingirem o Princípio de Peter, se é por se atirarem para voos e diversificações que não controlam, a verdade é que de repente as coisas começam a não correr bem. Luís Suspiro, que tem alguns pergaminhos no activo, começou em forma no Campo Pequeno, no petisqueiro «Torricado», mas das últimas vezes que lá tenho ido senti que a coisa estava a piorar. Na semana passada experimentei outro restaurante dele, que abriu no mesmo local, e a coisa correu mal. O serviço é desatento e isso é logo aflitivo – quando é que estes chefes da moda se convencem que o bom serviço, atento, é fundamental? Depois a qualidade do que se comeu não correspondeu à expectativa – na lista estavam pastéis de massa tenra acompanhados por migas e a desilusão foi grande: as migas tinham uma consistência estranha, de papa; e os pastéis de massa tenra tinha uma dose de criatividade desnecessária no recheio – tempero a mais, paladar a menos, gosto final desagradável – nada a ver com as melhores receitas tradicionais. Em resumo: tão cedo não me apanham em nenhum dos restaurantes de Luís Suspiro no Campo Pequeno. Portucalidade, Praça de Touros do Campo Pequeno, Loja 66.
OUVIR – Regina Spektor é uma cantora russa (nascida em Moscovo em 1980), há 20 anos radicada nos Estados Unidos. Estudou música clássica, piano principalmente, e no final da adolescência começou a interessar-se pela música contemporânea, com o hip hop, o jazz e a folk no centro das preferências. Descendente de uma família judia também se interessou pela música judaica. É deste caldeirão de interesses e de formações diversas que nasceu a sua faceta de compositora, no sentido de «songwriter» – e não é exagero dizer-se que ela é actualmente das melhores autoras de canções. O seu novo disco, «Far», o quinto editado, é o mais maduro do ponto de vista musical, o mais cuidado em produção (Mike Elizondo), mas absolutamente cheio de vitalidade na força e envolvimento de canções como «The Calculation», «Blue Lips», «One More Time With Feeling» ou o divertido «Dance Anthem Of The 80’s». Este é um daqueles registos em que se percebe logo a diferença na qualidade das canções, do seu conteúdo, mas também o grande talento e criatividade, quer musical, quer vocal, de Regina Spektor. E é candidato à lista dos melhores do ano. CD «Far», Regina Spektor, Sire Records.
LER – Um dos melhores artigos sobre os bastidores da política que li nos últimos anos está na edição desta semana da revista «Time», que tem a foto de George Bush e de Dick Cheney na capa. Se não a encontrarem é fácil ver o artigo na edição on line (www.time.com). Trata-se de uma investigação, feita por dois grandes jornalistas da revista, sobre a tensão crescente nos últimos dias do final do mandato entre o Presidente Goeorge Bush e o seu vice-Presidente, George Cheney. Por detrás da progressiva ruptura entre os dois homens estava a forma como Bush encarava a revisão do precesso de Scooter Libby, que tinha sido chefe de gabinete de Cheney até ser condenado por obstruir uma investigação sobre a revelação da identidade de um agente da CIA por parte de responsáveis da Casa Branca. É um artigo revelador dos jogos de poder, dos mecanimos de influência e do funcionamento do sistema político e judicial. Exemplar.
BACK TO BASICS – O homem que olha para o seu passado não merece ter futuro a esperar, Oscar Wilde.
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