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O REGIME É SURDO, CEGO E MUDO - Por muito complicada que seja a questão dos precários e várias outros assuntos que servem de moedas de troca reivindicativas, de natureza sindical ou do foro das batalhas de costumes politicamente correctos, é espantoso que as duas muletas da frente de esquerda, o Bloco e o PCP, não apontem claramente para os dois sectores que mais precisam de intervenção eficaz: a saúde, vítima de cativações e má gestão neste Governo, laboratório de medidas avulsas de perigosas consequência; e a justiça cuja situação se agrava de dia para dia, e que constitui um foco de descrédito do Estado e de penalizações e prejuízos imensos para os cidadãos. Se somarmos a isto a corrupção endémica no Estado e o abuso de autoridade de um sistema fiscal que confisca de forma arbitrária, viola impune e descaradamente a privacidade individual e considera os cidadãos culpados até prova em contrário, temos mais dois temas a que nenhum dos partidos presentes no Parlamento dá mostras de querer encarar de frente. A coisa não vem de agora. Temas como os abusos das autoridade tributária ou a corrupção andam de mãos dadas e instalaram-se como fazendo parte do status quo permitido por todos os partidos que estão em S.Bento - esta complacência é o seu bilhete de entrada no hemiciclo. Na verdade o funcionamento e o financiamento capaz da saúde, a eficácia da Justiça, o fim do abuso de autoridade do fisco e o combate à corrupção do Estado são áreas bem mais importantes que devaneios sobre financiamento de partidos ineficazes ou a possibilidade de animais domésticos em restaurantes. Estamos conversados quando o sistema e o regime se preocupam com o acessório e desprezam o essencial.
SEMANADA - 84% dos alunos do ensino secundário profissional não seguem para o ensino superior; segundo o presidente da AICEP para que Portugal possa crescer as exportações têm de valer mais de 50% do PIB, quando hoje valem 43% ; o Ministro da Defesa não cumpriu o prazo que ele próprio estabeleceu para entregar um dossier sobre o roubo de material militar Tancos no Parlamento; segundo um organismo europeu Portugal não cumpriu as recomendações anticorrupção, sobretudo nos sectores parlamentar e judicial; os casamentos entre um homem português e uma mulher brasileira são os que menos duram nos matrimónios entre nacionalidades; uma organização internacional afirmou que Portugal é um dos países onde a autorização de residência a estrangeiros regista grande falta de rigor; dos quase 26 mil agregados com carências habitacionais graves, quatro mil pagam renda em casas do Estado; segundo as associações sindicais de polícias a redução de 55% de multas verificada em 2017 deve-se à insatisfação dos guardas; em 2017 os portugueses faltaram a quase dois milhões de consultas nos centros de saúde e hospitais por causa dos custos dos transportes e do preço das taxas moderadoras; já houve 18 quedas de arribas no Algarve desde o início do mau tempo; a frente do Palácio Nacional de Mafra foi interditada à circulação pedonal por risco de queda dos sinos.
ARCO DA VELHA - Rui Rio, certamente inspirado pela elevação dos acontecimentos no futebol, decidiu colocar na sua estrutura de governo sombra a Cultura ao lado do Desporto.
FOLHEAR - A 4 de Fevereiro de 1961 e a 15 de Março de 1961 ocorreram em Luanda os primeiros ataques do MPLA e da UPA (União dos Povos de Angola), sinalizando o início da Guerra Colonial. João Céu e Silva, jornalista, conta no romance “Adeus, África” a guerra colonial em Angola desde esses primeiros momentos até que a 10 de Novembro de 1975 as últimas autoridades militares portuguesas abandonaram Luanda no paquete Niassa, horas antes da independência. O romance conta a história do atirador especial Afonso, que vigiava o embarque, e que acabou por não entrar no navio. Escondido durante 11 anos, Afonso sobreviveu à guerra civil de Angola, escondido até ser descoberto e repatriado. Um psiquiatra acompanha-o no regresso, disposto a descobrir a história deste soldado que ficou para trás do Império, esquecido, e que chega a Portugal em 1986, um país que lhe parece completamente estranho. Esta é a segunda edição de “Adeus África”, originalmente publicado em Abril de 2015 e que agora foi relançado. Sub titulado “A História do Soldado Esquecido”, este é o terceiro romance de João Céu e Silva, e aborda a epopeia nunca contada dos militares portuguesas que ficaram nos territórios ultramarinos depois da sua independência. Como disse Francisco José Viegas sobre este livro e a situação que ele aborda, esta á “a verdadeira bússola daqueles acontecimentos”.
VER - Todos os anos a FNAC promove um prémio de fotografia e em 2017 o vencedor foi Luis Preto, agora exposto na FNAC Chiado, com o trabalho vencedor, “Maciço Antigo” (na imagem) , uma reflexão marcada por retratos intimistas e pelo desgaste da ação do tempo nas arquiteturas e nas populações de lugares isolados de Portugal. No Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva, em colaboração com a Fundação EDP, Pedro Gomes apresenta Urbe, até 27 de Maio. Na Travessa da Ermida Adriana Molder apresenta até 29 de Abril “Todas As Fotografias de Ford”. Na Garagem Sul do CCB a exposição de arquitectura “Paris Haussman - Modelo de Cidade”, mostra o modelo urbano parisiense desenvolvido por Georges-Eugène Haussmann e que foi prefeito de Paris no final do século XIX, impulsionando uma profunda remodelação da cidade. Na Sociedade Nacional de Belas Artes, até 29 de Março, uma mostra de fotografias a preto e branco da excelente colecção da sociedade de advogados PLMJ. Na Fundação Oriente, de dia 15 até ao início de até Junho, “Um Museu Do Outro Mundo”, uma intervenção que José de Guimarães concebeu especificamente para o local e que tem como ponto de partida o espólio do Museu, em articulação e diálogo com peças da colecção de arte chinesa do artista.
OUVIR - Gosto de Cristina Branco por ela ser tão inesperada no panorama musical português, sobretudo naquele que nasceu e cresceu ligado ao fado. Cristina Branco aprendeu a tradição mas soube partir para outras paragens e criou o seu próprio espaço - a este nível é a única que se assemelha na presente geração aos grandes nomes que inovaram o Fado ao longo da segunda metade do século XX. Mas não ficou só por aí: ela é talvez o exemplo do que de melhor aconteceu na música popular portuguesa dos últimos anos, até porque teve a coragem de se associar a nomes de várias proveniências que lhe criaram um território musical único entre nós. Neste disco, produzido por Pedro Trigueiro, participam nomes como Luis Severo, Sérgio Godinho, Filipe Sambado, André Henriques, Filho da Mãe, Kalaf Epalanga, Mário Laginha, Luís Severo ou os ex-Ornatos Violeta Nuno Prata e Peixe. Cristina Branco é acompanhada por Luís Figueiredo (piano e percussão), Bernardo Moreira (contrabaixo) e Bernardo Couto (guitarra portuguesa). Destaco em especial o trabalho de Luis Figueiredo e de Bernardo Couto, que leva a guitarra portuguesa para outros territórios, mostrando como é surpreendente quando se solta das amarras tradicionalistas. CD “Branco”, de Cristina Branco, Edição Universal.
PROVAR - Nos últimos anos surgiram dezenas e dezenas de restaurantes que se reclamam de sushi, a maior parte deles constituindo um sério logro para os clientes (e às vezes uma perigo para a saúde pública). Mas desde 2007 há um restaurante nas Amoreiras que é um exemplo de bom serviço e qualidade num centro comercial. Trata-se do Sushi Café, onde o sushi é pontuado por influências de outras geografias para além da japonesa, embora a carta tenha uma oferta tradicional relevante. Mais importante que os novos e muitas vezes fugazes restaurantes é fundamental apreciar como amadurecem os existentes e como os seus responsáveis evoluem. Nesse aspecto o Sushi Café das Amoreiras é um exemplo - desde a gestão da sala, entregue à experiência de Miguel Morais, à lista criada e frequentemente actualizada pelo chef Daniel Rente. Uma das novidades da carta, muito bem sugerida aliás por Miguel Morais, é o Fish Wakame, que agrupa corvina, atum, salmão, robalo e carapau marinados em óleo de sésamo com um toque de azeite trufado, tudo envolvido em algas, sementes de papoila e um ovo de codorniz cru (que se parte e mistura por cima) Mais uma boa surpresa no Sushi Café Amoreiras.
DIXIT - “Para melhorar a qualidade da nossa democracia, e forçar o cartel partidário dominante a um qualquer sistema mais competitivo, temos certamente de mudar o sistema eleitoral” - Nuno Garoupa
GOSTO - Obras de Paula Rego estão incluídas na exposição “All Too Human - Bacon, Freud and a century of painting life”, na Tate Britain, em Londres.
NÃO GOSTO - A livraria Pó dos Livros, nas Avenidas Novas, em Lisboa vai encerrar - era uma exemplar livraria independente com um serviço excepcional aos clientes.
BACK TO BASICS - O principal sinal de corrupção que existe numa sociedade é a ideia de que os fins justificam os meios - Georges Bernanos
(publicado no «Jornal de Negócios» de 12 de Março)
O principal balanço que consigo fazer destes três anos de governação de José Sócrates é que se provou como a demagogia anda cada vez mais de mãos dadas com a política e que as maiorias absolutas podem encalhar, como aconteceu com esta. Sócrates chegou ao poder pelo descalabro em que o PSD caíu, com uma inegável e oportuna ajuda de Jorge Sampaio, mas também graças ao despudor com que fez promessas impossíveis de cumprir, como agora se vê. Quais eram as suas bandeiras pré-eleitorais? Reduzir o desemprego, fazer reformas profundas na administração pública, melhorar os sistemas de saúde, educação e justiça, combater o deficit e aumentar a competitividade do país. Como se sabe, de tudo isto, o único objectivo conseguido foi o da redução do deficit, não à custa de reformas estruturais na administração pública, mas sim do aumento dos impostos.
O posicionamento de Portugal entre os países comunitários piorou em quase todos os indicadores. Falta um ano para acabar esta legislatura e o que não se fez antes, muito dificilmente acontecerá agora. É provável que no decurso deste último ano da legislatura uma outra forma de demagogia, mais tradicional, seja adoptada – com distribuição de obras públicas convenientemente lançadas e benesses várias espalhadas a eito pelo país. Quanto a reformas estruturais quase nada, excepção feita a algumas medidas de simplificação de burocracias. Na saúde desfez-se sem se fazer nada, na educação criou-se o caos. Não faltam trapalhadas na acção do Executivo.
Pelo meio ficam algumas questões graves: o funcionamento da justiça piorou, a máquina judicial está cada vez mais utilizada para investigações políticas, o fisco despreza e viola os direitos dos cidadãos, as polícias voltaram a ser utilizadas para vigiar o direito de exprimir e manifestar opiniões contrárias ao Governo.
Tudo isto provoca um enorme descrédito nos mecanismos tradicionais da política e dos partidos. Não é por acaso que as manifestações regressam, que até o PS se prepara para promover uma jornada de rua de desagravo, por sinal muito à maneira de Hugo Chávez. Um dos mais preocupantes sinais da situação política que vivemos tem a ver com a total ineficácia do parlamento em regime de maioria absoluta, que fomentou a falta de diálogo, a arrogância e a sobranceria do Governo para com os cidadãos e para com a oposição.
Na minha opinião o actual quadro partidário já não é representativo e precisa urgentemente de mais intervenientes, à esquerda e à direita, o voto só ganha em ser mais fragmentado e as maiorias absolutas devem ser evitadas. Isso forçará qualquer Governo a ter em conta a realidade, a reconhecer a necessidade de consensos e acordos, e pode criar condições para devolver protagonismo ao Parlamento.
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