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O RIO QUE TRANSBORDOU - A incontornável vitória de Rui Rio, contra os prognósticos e apoios da elite partidária e dos donos do aparelho do PSD, coloca uma questão interessante: até que ponto é que os dirigentes locais e distritais são ouvidos e respeitados pela base? Até que ponto é que esses dirigentes se representam apenas a si próprios e a um grupo de fiéis próximos, empenhados essencialmente em trocar o seu apoio por benesses futuras quando o poder lhes voltar a sorrir? O que o processo eleitoral do PSD veio evidenciar é que a figura preferida pelo aparelho partidário, que estava claramente alinhado com Rangel, é a que menos mereceu a confiança dos eleitores. E, coloca uma outra dúvida: até que ponto é que os apoios aparelhísticos são hoje em dia olhados com desconfiança, pela base dos partidos e, em última análise pelos cidadãos comuns. E coloca ainda outra questão: até que ponto observadores, comentadores políticos e jornalistas são contaminados pelas influências das suas fontes no aparelho partidário e perdem eles próprios a realidade das bases, confundido declarações de dirigentes com opinião pública? Na realidade o que se passou na última semana - e já se tinha passado em Lisboa nas autárquicas, é que existe um distanciamento entre o que era previsto e o que na realidade aconteceu. Li algures esta semana esta nota: “Meia dúzia de comentadores desdobram-se por diversos títulos; os jornais deixaram o centro das cidades e os jornalistas convivem uns com os outros. Já ninguém se lembra do exemplo do editor do NYT que se deslocava de metro para saber o que os leitores escolhiam. Era bom descer à terra. Que direito têm, jornalistas e comentadores, de dizerem “o que as pessoas pensam é…”? E termino com outra citação, lida também nestes dias: “Lidos os comentadores, analistas e politólogos cheguei à conclusão de que o povo do PSD não votou em quem eles estavam à espera.”
SEMANADA - Apenas 34% dos estágios financiados pelo quadro comunitário de apoio, para inserir jovens que não estudam nem trabalham, resultaram em contratos de trabalho permanente; um estudo da Fundação Belmiro de Azevedo concluíu que os estudantes oriundos de meios mais desfavorecidos continuam a ser segregados no acesso aos cursos que garantem maior remuneração; um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos indica que 26% dos jovens portugueses já se medicaram contra a depressão; o mesmo estudo revela que 23% dos jovens já tentaram ou pensaram no suicídio; na GNR há 1017 agentes que não quiseram a vacina contra o COVID-19 e a PSP diz não ter dados certos mas calcula-se que centenas de polícias, que contactam diariamente com o público, também se recusaram a ser vacinados; no âmbito do PRR as Finanças vão ter 43 milhões da bazuka europeia para organizar cadastros e subir a base da tributação; há mais de dois anos que o tribunal tenta, sem sucesso, notificar Vale e Azevedo, que vive e trabalha em Londres, para ser julgado; Portugal é o único país da UE que não apresentou dados de novos casos de VIH/Sida no último relatório do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças e da OMS; até Setembro enfermeiros e médicos já fizeram mais de nove milhões de horas extraordinárias, ultrapassando o valor de todo o ano passado; a TAP apenas transporta um em cada dez passageiros de avião no Porto, tendo sido ultrapassada pela Ryanair e easyjet.
O ARCO DA VELHA - Uma viagem desenhada pela União Europeia para fomentar as viagens de comboio teve este resultado: o Europa Express precisou de recorrer a três composições distintas e 55 locomotivas diferentes para atravessar 33 fronteiras em 26 estados. União?
COISAS PARA VER - “Sarkis”, a nova exposição de Cláudio Garrudo na Galeria das Salgadeiras (Rua da Atalaia 12, até 22 de Janeiro), na imagem, explora formas pouco usuais de utilização da fotografia, quer através da evocação da memória de objectos como ardósias escolares, recurso a diversas técnicas laboratoriais fotográficas, a reprodução de pequenas imagens de filmes portugueses dos anos 50 e até o recurso a papel perfurado utilizado em pianolas. “Sarkis” é um cruzamento propositado entre a música, o cinema, as artes plásticas e a literatura, abordados como partes que se ligam perante o olhar através de um fio condutor, que é a fotografia. No texto de apresentação da exposição Manuel João Vieira faz notar a diferença entre “a fotografia límpida, nítida, precisa, virgem, bidimensional, de superfície lisa e regular, que capta o objecto que é o seu contrário.” e a arte que “capta também o duplo, o outro que há em nós, um outro que simula e projecta pela primeira vez as suas impressões no seu jogo.” Outras sugestões: na Galeria Filomena Soares, em Lisboa, “A Mecânica do Efémero” mostra até 15 de Janeiro trabalhos de Flávio Cardoso, Kiluanji Kia Henda, Damara Inglês, Délio Jasse, Rui Magalhães e Sofia Yala. Na Biblioteca Nacional Pedro Proença apresenta até 19 de Janeiro “Mestres & Monstros”, um conjunto de aguarelas e poemas visuais, acompanhados por três livros criados para a ocasião. E em Serralves pode ser vista "Ágora", a primeira exposição do artista norte-americano Mark Bradford em Portugal. Serralves é aliás o primeiro museu europeu a acolher uma grande exposição deste artista desde que representou os EUA na Bienal de Veneza, em 2017, com a exposição "Tomorrow is Another Day" ("Amanhã é outro dia").
OS POEMAS DE PESSANHA - Camilo Pessanha é um vulto maior das letras portuguesas e um dos menos conhecidos hoje em dia. Nasceu em Coimbra em 1867 e morreu em Macau, onde viveu muitos anos, em 1926. Publicou poemas em várias revistas e jornais, mas o seu único livro, “Clepsydra”, foi editado em 1920, sem a sua participação directa, pela jornalista e escritora Ana de Castro Osório, que recolheu o material disperso que foi encontrando. Posteriormente, João Castro Osório, filho de Ana Castro Osório, ampliou a “Clepsydra” original, acrescentando-lhe poemas que foram entretanto encontrados. Essas edições foram publicadas em 1945, 1954 e 1969. E surge agora, pela mão da editora Guerra & Paz, uma nova edição da “Clepsydra”, graças à iniciativa de Ilídio Vasco. Na organização desta nova edição Ilídio Vasco recuperou a intenção original de ordenação dos poemas, baseada na interpretação de uma sinalética críptica deixada por Camilo Pessanha numa lista manuscrita. Essa nota, escrita no verso da procuração que deu a Ana de Castro Osório os direitos de publicação da obra, é, pela primeira vez, divulgada em fac-simile nesta edição de Clepsydra, que inclui, para além da obra integral, as notas do organizador e um anexo com textos que Pessanha traduziu do chinês, ao longo da vida: «Elegias Chinesas» (em versão bilingue), «Legenda Budista», «Vozes de Outono», «Chon-kôc-chao» e «Provérbios Chineses». “Clepsydra”, é para muitos o mais belo livro da poesia portuguesa e Camilo Pessanha foi elogiado por Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Eugénio de Andrade e Jorge de Sena, reconhecendo que ele inspirou fortemente a geração de Orpheu e o que viria a ser o modernismo português.
BRUCE ROCKS - No Outono de 1979 Bruce Springsteen, então quase a fazer 30 anos, realizou dois concertos no Madison Square Garden, em Nova Iorque, que ficaram para a história. Acompanhado pela sua E Street Band, Springsteen tinha lançado há um ano “Darkness On The Edge Of Town" e começava a preparar “The River”. Era um ponto alto da sua carreira. Esses concertos podem ser ouvidos e vistos em “The Legendary 1979 No Nukes Concerts”. Aqui estão gravados ao vivo 13 temas, uma hora e meia de uma grande actuação, agora editada pela primeira vez. Desde “Prove It All Night” até ao final com “Rave On”, o disco inclui temas como “The Promised Land”, “Rosalita”, “Born To Run”, “The River” ou "Thunder Road”, entre outros. O concerto foi gravado e filmado no momento em que Springsteen atingia uma popularidade que até aí não tinha conhecido e este registo, disponível em CD e DVD, mostra como ele era há 42 anos e testemunha ainda o momento em que Springsteen começa a assumir posições políticas bem marcadas e a empenhar-se em movimentos cívicos, como foi o caso destas actuações. Na parte final de um concerto, que claramente foi uma festa de rock’n’roll, ao lado da E Street Band surgem convidados como Tom Petty e Jackson Browne que o acompanham numa versão de “Stay”, de Maurice Williams & The Zodiacs, seguido por entusiásticas versões de standards do rock e de temas de Gary U.S. Bonds e Buddy Holly.
FAZ DE CONTA - Escolher o sítio para o almoço de domingo até começou com um gesto de boa vontade. O objectivo era experimentar o novo restaurante do MAAT, que prolonga a cafetaria que já existia. Apesar de saber ser gerido pelo grupo Mercantina, que já me proporcionou outras más experiências que bons momentos, lá decidi arriscar. Passemos aos factos: reserva feita online directamente para o MAAT Kitchen (assim se chama o local), com indicação de que a reserva estava anotada e seria confirmada posteriormente. Nunca chegou confirmação mas lá nos apresentámos à hora devida. E sim , a reserva existia mas a menina do acolhimento indicou-nos que devíamos esperar no bar, apesar de ser notório que estavam muitas mesas vazias no restaurante. Este truque de mandar para o bar é dos que mais me irrita quando é evidente que não se está à espera que vague uma mesa. A casa é anunciada como sendo de fine fusion dining, mas apesar de se tratar de almoço a expressão é largamente exagerada. O serviço é lento, pouco simpático e pouco atento. O couvert tinha uma manteiga trufada interessante, um azeite corriqueiro e um pão sem história e pouco sabor. Uma pena as bebidas terem chegado um bom bocado depois e apenas após chamada de atenção. Uma vez na refeição o outro lado achou bem o polvo assado à Algarvia com batata doce e tomatada rústica. E eu, que em má hora tinha escolhido entrecôte Txogitxu do País Basco com batatas fritas, fiquei a lamentar-me: a carne estava de facto mal passada, como pedido, mas o seu interior era seco e sem sabor, porventura a indiciar frigorífico a mais, enquanto as batatas eram mais cozidas do que fritas. No fim um café pedido cheio veio a metade da chávena, a evidenciar mais uma vez desatenção. Do outro lado da mesa veio uma frase que descreve bem o MAAT Kitchen: isto é tudo um faz de conta.
DIXIT - “Olhamos à volta e o que vemos é inquietante. Parece que os partidos fazem parte da crise, em vez de a combater” - António Barreto.
BACK TO BASICS - A vitória é sempre uma ficção política - Anónimo
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