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O VÍCIO DO PODER - Pippa Crerar, editora de política do The Guardian, escreveu esta semana umas linhas que encaixam, com devidas adaptações, ao que se passa em Portugal. Diz ela: “Há uma sensação de fim de vida nesta administração. Os Conservadores estão no poder há 13 anos, sempre as mesmas pessoas que já conhecemos, e nota-se que existe alguma coisa sobre a proximidade ao poder que lhes traz como que um sentimento de posse e impunidade. As pessoas têm atitudes, tomam riscos e comportam-se de uma forma que não fariam noutras circunstâncias”. Se retirarem a palavra “Conservadores”, o que ela escreveu no Reino Unido, aplica-se a Portugal e ao governo. Arrisco-me a dizer que com a falta de espírito reformista até se pode dizer que este Governo de maioria de Costa é de facto um governo ultra-conservador. Convém notar que um dos exemplos maiores de alguém que já anda por aí há muito tempo é Santos Silva, um ministro para todo o serviço, fiel a Sócrates e a Costa, putativo candidato à Presidência da República, actual Presidente da Assembleia da República e grande fomentador da popularidade do Chega. Nestes últimos dias houve um episódio que mostrou o seu verdadeiro carácter. Tal como quando tinha a tutela da comunicação social, no primeiro governo de Sócrates, que integrou, como ministro dos assuntos parlamentares, Santos Silva mostrou a sua queda para manipular a informação. O seu desagrado por ser filmado em directo numa conversa promíscua nas instalações do órgão de soberania a que preside mostra isso mesmo - e as suas declarações posteriores, a ameaçar quem teve a ousadia de filmar o que se passava revelam o pior deste personagem. O Sr. Silva tem duas características: é perigoso e caricato. E é um retrato do que é o poder do PS hoje em dia, retrato que todos os dias nos surpreende mais e mais.
SEMANADA - António Costa decidiu abrir uma crise política e entrar em conflito com o Presidente da República; o presidente do PS, Carlos César, disse que o Governo necessita de “algum refrescamento” e dois ex-ministros socialistas, Alexandra Leitão e João Soares, defenderam também uma remodelação do executivo; a reestruturação da TAP já custou ao Estado 3200 milhões de euros e as estimativas mais altas para o valor de venda da companhia indicam 1600 milhões de euros, ou seja metade do que já lá foi colocado pelos contribuintes só nos anos mais recentes; o juiz de instrução Ivo Rosa deixou na gaveta, durante mais de um ano, um recurso de José Sócrates, o que contribuiu ainda mais para paralisar a Operação Marquês, provocando um atraso que se arrisca a estar na origem de mais precrições de crimes; nos processos contra Sócrates os crimes de corrupção, branqueamento de capitais e falsificação de documentos estão praticamente todos prescritos; um quarto das instituições de ensino superior não têm canais de denuncia de assédio; a dívida pública cresce 74 milhões de euros por dia desde o início de Janeiro; Fernando Medina, escondeu durante cinco meses um parecer da Comissão de Auditoria e Controlo do Plano de Recuperação e Resiliência onde eram referidas falhas do sistema de controlo destes fundos; que documentos tão comprometedores para o Governo teria o computador do ex-assessor de Galamba?
O ARCO DA VELHA - O Primeiro Ministro quis transformar uma crise política num caso de polícia, mas no seu minucioso relato esqueceu-se da parte em que João Galamba organizou uma reunião para instruir a CEO da TAP a responder na Comissão de Inquérito parlamentar de acordo com os interesses do PS, e que foi, afinal, a origem de tudo o que se passou depois.
ARTE ATLÂNTICA - No meio do Oceano Atlântico existe uma galeria de arte contemporânea que é um caso singular. Falo da Galeria Fonseca Macedo que constrói uma programação que permite levar aos Açores artistas plásticos de outras paragens e mostrar também por vezes alguns artistas locais. É uma galeria presente em feiras nacionais e internacionais e a sua dinamizadora e directora, Fátima Mota, é uma pessoa fascinada pela arte e a sua divulgação. Vem tudo isto a propósito da exposição de Patrícia Garrido, “Família Feliz e Mais Umas Coisas”, ali inaugurada há dias. A exposição integra três dezenas de obras, óleos sobre tela e sobre papel, assim como lápis e aguarela sobre papel. Num recente catálogo sobre a obra da artista, João Pinharanda escreve que “na pintura Patrícia Garrido monta sem ambiguidades, através da densidade material das tintas e do seu obscurecimento cromático, o cenário de uma inquietação” (na imagem). Até 30 de Junho na Galeria Fonseca Macedo, Rua Dr. Guilherme Poças Falcão 23, Ponta Delgada. Destaque também para a apresentação em Lisboa, na Galeria Quadrum, da exposição de fotografia “Faro-Oeste”, de Pauliana Valente Pimentel. O trabalho que deu origem à exposição foi iniciado em 2019, quando a fotógrafa começou a retratar algumas famílias da comunidade cigana algarvia, sobretudo na zona de Castro Marim e Vila Real de Santo António, alargando depois para as zonas de Faro, Loulé e Boliqueime. Segundo a autora “este trabalho pretende mostrar o dia a dia destas famílias, dando ênfase às suas tradições, com o intuito de combater preconceitos e estereótipos racistas e xenófobos de que são constantemente alvo”. A exposição foi inicialmente mostrada no Museu Municipal de Faro e no Centro Cultural de Lagos e ficará na Quadrum, junto ao Palácio dos Coruchéus, em Alvalade, até 25 de Junho, numa montagem que enquadra bem o espírito da exposição.
O BIBLIOTECÁRIO POLÍCIA - Confesso o meu fascínio pela escrita de Javier Cercas, pela maneira como constrói os seus romances policiais, sobretudo a série “Terra Alta”. O protagonista da escrita de Cercas é Melchor Marin, um polícia que virou bibliotecário depois de uma série de percalços e dramas pessoais, contados nos dois primeiros livros da série. Melchor é desde sempre um leitor compulsivo e o seu livro de referência é “Os Miseráveis”, de Victor Hugo. “Terra Alta” e “Independência” são os dois títulos que antecederam este “O Castelo do Barba Azul”, o livro que encerra a trilogia. Tudo começa quando Melchor é forçado a sair da sua pacata vida de bibliotecário na sequência do desaparecimento da filha. A investigação que desencadeia leva-o a um círculo de compadrios e corrupções, que protegem um milionário que construiu nas Canárias uma mansão onde em simultâneo pratica a pedofilia e alimenta o vício de outros com os mesmos gostos, gente influente, que filma nas festas que dá com a participação de menores, imagens que depois usa para ter na mão políticos, financeiros, polícias e juízes. Depois de localizar e resgatar a filha, Melchor inicia uma cruzada para destruir o mandante de todos estes crimes, recuperar as provas e desmascará-lo publicamente. Para isso usa os seus conhecimentos do tempo em que serviu na polícia e recruta uma equipa que o vai ajudar. A descrição é arrebatadora e o livro termina da mais inesperada de todas as formas - mas não vos vou contar para não fazer spoiler. A edição é da Porto Editora.
ÊXITOS AO PIANO - Aos 19 anos ter um disco intitulado “Greatest Hits” é uma provocação bem-vinda. O autor da façanha é Máximo, aliás Francisco Máximo, um coimbrão, pianista. Depois de ter estudado no Conservatório Nacional, actualmente estuda composição de jazz em Roterdão. O álbum “Greatest Hits”, agora editado, inclui 12 composições que Máximo fez nos últimos dez anos, portanto desde os 9 anos. Como principais referências Máximo aponta músicos como Bill Evans, Herbie Hancock, Ryuichi Sakamoto, Chilly Gonzales, Debussy, Ravel e Erik Satie. De entre os trabalhos mais recentes de Máximo estão composições feitas para acompanhar trabalhos do artista plástico Paulo Lisboa, para a curta metragem “Agosto de 74”, uma colaboração com Joana Vasconcelos por ocasião da Arco Lisboa de 2019 e uma improvisação na inauguração de uma exposição do fotógrafo André Cepeda, que aliás é o autor da foto de capa do álbum. ”Capita” é o título da canção que serviu de base para um vídeo realizado por João Pedro Vale e Nuno Alexandre. Como se vê o universo das artes plásticas é um dos terrenos inspiradores de Máximo e a sua música está algures entre o jazz e a composição contemporânea. O disco inclui os vários singles que Máximo editou e pode ser ouvido nas plataformas de streaming.
NA SALA DO RESTAURANTE - Na semana passada o meu melhor petisco foi um filme. Melhor dizendo, dois filmes, com a mesma história, contada de forma diferente. “Mal Viver” mostra o que se passou, “Viver Mal”, mostra como lá se chegou. O exercício, cheio de imaginação, é um exemplo da capacidade criativa e técnica do seu realizador, João Canijo. O realizador estreou-se em 1988 com o primeiro filme que dirigiu, “Três Menos Eu”, mas antes disso foi assistente de realização de nomes como Manoel de Oliveira,Wim Wenders, Paulo Rocha ou Werner Schroeter. O trabalho colocado nos dois filmes, verso e reverso da mesma moeda, é impressionante . Se “Mal Viver” é uma narrativa dramática da tensão que pode nascer nos amores e desamores, nalguns momentos a fazer recordar a forma de construir uma história de Manoel de Oliveira, “Viver Mal” é a desconstrução da ideia normal de guião, de captação de som, de edição. Arrisco-me a dizer que a segunda parte é a mais fascinante do ponto de vista cinematográfico. O trabalho de Canijo é suportado pelo leque de actores que mais uma vez o acompanham - Rita Blanco, Anabela Moreira, Cleia Almeida (fabulosa), Leonor Silveira e Beatriz Batarda. É na sala de restaurante do Hotel onde tudo se passa que a segunda parte do filme ganha uma dimensão especial, com conversas cruzadas, a indiferença dos comensais, perdidos nos seus conflitos, face às indicações sobre a comida ou os vinhos que lhes apresentam. Fascinante.
BOM - O prémio melhor título da semana vai para Ana Sá Lopes, a propósito do estado da governação: “Viva o general Tapioca! Abaixo o general Alcazar!”
MAU - Na reunião secreta entre o PS e a ex-CEO da TAP, em janeiro, patrocinada por João Galamba, foram combinadas as perguntas que o deputado Carlos Pereira devia fazer e as respostas que Christine Ourmières-Widener devia dar na audição no Parlamento.
DIXIT - “Aos democratas, não lhes compete prender, banir ou mandar calar os populistas. Aos democratas compete-lhes fazer melhor e com mais competência do que hoje. E de modo a que a população sinta e perceba”- António Barreto.
BACK TO BASICS - “De entre aqueles que nada dizem muito poucos são os que ficam silenciosos” - Thomas Neill.
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