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HARA-KIRI - Um dos mistérios desta crise é saber o que levou Luís Montenegro a ignorar todos os avisos e todos os sinais sobre a situação pessoal em que se colocou e da qual não encontrou - ou não quis encontrar - uma forma de sair. O que explica a teimosia em recusar o óbvio? Ao longo de mais de uma semana assistimos a um lento hara-kiri no qual Montenegro foi mutilando a sua credibilidade. O que podia ter sido apenas uma questão pessoal, escalou para uma crise política e para a queda do Governo. Aquilo que levou à situação em que nos encontramos não foram meros erros de comunicação, como Montenegro a certa altura quis fazer crer. Aquilo que levou à quebra de confiança no Primeiro-Ministro foi a evidência da sua falta de carácter. É curioso ler o que Manuel Carvalho escreveu sobre Montenegro no “Público”. Carvalho, um jornalista que viveu grande parte da sua vida profissional no norte, e que acompanhou a actividade de políticos e empresários nortenhos, descreve assim Montenegro: “Pragmático, cínico, realista, lúcido, sonso, cerebral, meste da dissimulação e da emboscada", useiro na “atitude manhosa perante os adversários que herdou da longa tradição de conflitos internos e golpes de bastidor do partido.” As acções de Montenegro nos dias mais recentes cabem dentro deste retrato. Já se sabia, pela forma como fala e intervém, que não gosta de ser contrariado, que acha ter sempre razão e que se considera acima de tudo e de todos. O que levou um homem assim a não perceber o efeito das suas acções? Ao seu lado perfilou-se todo o Governo mas nem todo o PSD. Os partidos não são equipas de futebol a quem se deve fidelidade. Em política a fidelidade e a coerência são aferidas face às ideias e não às pessoas. Quando surgem dúvidas há respostas que devem ser dadas e uma ética a respeitar: não vale tudo, não pode valer tudo. As eleições que aí vêm servem para avaliar quem esteve bem e quem esteve mal, o voto não é cativo.
SEMANADA - Entre 2013 e 2023 o número de casos de doenças sexualmente transmissíveis multiplicou-se por 12 nos jovens entre os 15 e 24 anos; 20,6% das crianças até aos 15 anos vive em famílias sem capacidade para pagar pelo menos uma semana de férias por ano fora de casa; a região de Lisboa e Vale do Tejo só tem um quarto dos médicos de saúde pública que estão previstos; há cerca de 1,8 milhões de emigrantes portugueses espalhados pelo mundo; segundo a Marktest a utilização de plataformas de streaming de vídeo em Portugal tem crescido de forma consistente nos últimos anos e 51% dos subscritores destes serviços declara assinar pelo menos duas plataformas de streaming; cerca de 5% da população portuguesa atrasa-se no pagamento de prestações de casa, renda da habitação e nalgumas outras despesas de primeira necessidade; segundo a Marktest em fevereiro Pedro Nuno Santos, liderou o do top de exposição mediática nas televisões, ao protagonizar 125 notícias de 5 horas e 29 minutos de duração durante o mês, André Ventura foi o segundo com 114 notícias de 5 horas e 29 minutos de duração, Luís Montenegro, registou a terceira posição, protagonizando 114 notícias de 5 horas e 24 minutos de duração e o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi quarto, com 100 notícias de 4 horas e 20 minutos de duração.
O ARCO DA VELHA - 10% da população portuguesa não tem capacidade económica para poder regularmente uma actividade de lazer.
VIAJANTES - Quem gosta de viajar gosta dos livros e da escrita de Bruce Chatwin e Paul Theroux e ambos escreveram de forma apaixonada sobre a Patagónia, o “país de neblinas negras e redemoinhos no fim do mundo”, como Fernão de Magalhães descreveu o território que descobriu em 1520. Em 1985 Bruce Chatwin e Paul Theroux juntaram-se na Royal Geographical Society, em Londres, para uma conversa sobre esse território que fascinava ambos. Chatwin escrevera “Na Patagónia” e Theroux seguira-lhe a pista da aventura em “O Velho Expresso da Patagónia”. Dessa conversa nasceu o livro “O Regresso à Patagónia”. Bruce Chatwin começou por sublinhar como a Patagónia os influenciou: “Temos os dois a fascinação do exílio” e Paul Theroux foi taxativo: “Quando penso em viajar para qualquer lado, penso em ir para sul, associo a palavra “sul” a liberdade”. No texto de introdução ao livro, Francisco José Viegas, que dirige a Quetzal e aí tem construído a bela colecção “Terra Incógnita” dedicada a obras sobre viagens e viajantes, fala sobre a atracção que a noção de fim do mundo exerce e diz que essa “é uma das nossas obsessões históricas” e que é simultaneamente “o nosso sonho e o nosso pesadelo”. Ao longo do livro os dois escritores contam episódios que viveram na Patagónia, factos que descobriram sobre a história do território e da sua população. É uma conversa fascinante. Edição Quetzal.
UM BANCO DIFERENTE - Um banco pode estar dedicado a gerir dinheiro ou pode ser um depósito de conhecimento. O BAC- Banco de Arte Contemporânea Maria da Graça Carmona e Costa, é um bom exemplo do segundo caso. Guarda, organiza, preserva e digitaliza obras, estudos, documentação, correspondência, esboços, maquetas, fotografias e diversos acervos de artistas, críticos e curadores. É na realidade um banco de dados fundamental para fazer a história da arte contemporânea em Portugal. Criado em 2019, para receber espólios artísticos em situação de emergência ou risco de se perderem, e proceder à respetiva investigação, o BAC nasceu da iniciativa e de um apoio de Maria da Graça Carmona e Costa (1932-2024), uma mecenas, coleccionadora e galerista que morreu sem ter conseguido que a Câmara Municipal encontrasse um espaço adequado aos objetivos do BAC, apesar dos numerosos esforços que fez. Para ela era claro que o BAC era fundamental "para a divulgação da arte contemporânea portuguesa, permitindo o seu estudo por académicos e universitários, professores, investigadores, alunos, e por outros profissionais que operam no meio" e por isso o BAC tem sido também apoiado pelo Instituto de História da Arte da Universidade Nova. Mas infelizmente a autarquia é mais sensível a festejos efémeros do que a uma aposta em entidades que salvaguardem o conhecimento e ao fim destes anos o BAC continua em instalações precárias. Mesmo assim, a sua reduzida equipa tem vindo a fazer um trabalho notável com os acervos que lhe estão confiados. O BAC é uma iniciativa coordenada pelo Atelier-Museu Júlio Pomar, que está sob a responsabilidade da Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural de Lisboa e promove agora, pela primeira vez ,uma exposição , mostrando o seu universo de actuação. Com esta exposição que abre dia 20, “Boa Viagem, Muitas Maravilhas”, no Atelier-Museu Júlio Pomar a partir de dia 20 de Março (Rua do Vale 7), a instituição pretende reafirmar o seu papel "como um centro de referência para o estudo e difusão da história da arte" e dar a conhecer algum do muito trabalho jºá feito. Ângelo de Sousa, Fernando Calhau, Lourdes Castro, Maria Beatriz, Mário Cesariny, Ana Vieira, Christo, Vieira da Silva, António Palolo, Alexandre Melo ou José Luís Porfírio são alguns dos nomes já presentes nos depósitos do BAC. A exposição é comissariada por Lígia Afonso, Marta Guerreiro e Rita Salgueiro. Na imagem do cartaz da exposição está um esboço incluído no acervo de Ana Vieira.
ROTEIRO - O destaque desta semana vai para as novas exposições da Galeria Belo-Galsterer, “Soft, Heavy and Unseen”, de Gwendolyn van der Velden, e “Feito Num Oito”, de Pedro Quintas. A primeira mostra uma série de trabalhos em papel, aguarelas que remetem para o corpo da mulher (na imagem), e também máscaras cerâmicas de cores intensas; a segunda mostra oito pinturas de Pedro Quintas em torno de variações geométricas, desta vez combinando linhas com círculos (Rua Castilho 71, r/c Esq). Nos Açores, na Galeria Fonseca Macedo, pode ser vista até 30 de Abril a exposição “Jardins Iluminados”, com obras de Cristina Ataíde, Beatriz Brum e Sofia Caetano. (Rua Dr. Guilherme Poças Falcão 21, Ponta Delgada). Entretanto o Museu Gulbenkian vai fechar, a partir do dia 18 de março até Julho de 2026, para obras que visam proporcionar melhores condições técnicas para exibir a coleção. No sábado, dia 15, o Museu estará de portas abertas até às 21h00 e apresenta uma programação especial que inclui visitas, e um concerto com Solistas da Orquestra Gulbenkian. No Centro de Arte Moderna da Gulbenkian inaugurou a exposição “Arte Britânica- Ponto de Fuga”, que apresenta até 21 de Julho mais de 100 obras das colecções do CAM e da Fundação Berardo e de outras colecções nacionais e internacionais, algumas nunca expostas em Portugal, e que inclui trabalhos de 75 artistas, como Antony Gormley, Bridget Riley, David Hockney, Francis Bacon, Frank Auerbach, Marc Quinn ou Rachel Whiteread, entre muitos outros. Em Coimbra, no Teatro Académico Gil Vicente, por iniciativa do Centro de Artes Visuais, podem ser vistos até 30 de Abril trabalhos de Paulo Nozolino, da Colecção Encontros de Fotografia, com curadoria de Miguel von Hafe Pérez.
IMPROVISAÇÕES - O trio do pianista alemão Michael Wollny é uma das mais interessantes formações de jazz contemporâneas. A seu lado estão o baixista Tim Lefebvre,que tocou com David Bowie e o baterista Eric Schaefer. “Living Ghosts” é um álbum gravado ao vivo num dos concertos que o trio realizou na Alemanha em 2024. A presença do piano é dominante, em permanente diálogo com a bateria, com a ajuda do baixo. É um exemplo de jazz improvisado, construído à medida que os músicos iam tocando. Reza a crónica desta gravação que os concertos de 2024 não tinham uma lista de temas pré-definida nem arranjos escritos ou ensaiados. Tudo nascia no momento e esse é um dos encantos de “Living Ghosts” que vai buscar inspiração a composições de Alan Berg, Paul Hindemith, Duke Ellington (“In a Sentimental Mood”), Jon Brion (a balada “Little Person” ou Nick Cave (“Hand Of God”) o disco tem quatro temas, cada um deles bastante longo, dando espaço à criatividade dos músicos deste trio. Disponível nas plataformas de streaming.
DIXIT - “É assim que os homens vivem? À beira do precipício e a preparar o desastre? Defendendo ferozmente a liberdade de mentir e fingir? É assim que os partidos sobrevivem, mas não é assim que os homens vivem” - António Barreto
BACK TO BASICS - “Idealismo é aquilo que precede a experiência, cinismo é o que se lhe segue” - David T. Wolf
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